sábado, 13 de outubro de 2012

Eles também sentem a morte?


Os animais reagem como o ser humano face à morte de um dos seus semelhantes? Os zoólogos deparam com casos difíceis de interpretar.
Em 2003, após uma mordedura fatal de serpente, Eleonor, uma elefante fêmea de 40 anos, tombou no chão da Reserva Nacional de Samburu, no Quénia. A sua congénere Graceaproximou-se para socorrê-la e conseguiu que reagisse um pouco, mas Eleonor voltou a cair. Em seguida, Grace passou ao seu lado uma longa noite de agonia até Eleonor morrer. Depois, numerosos elefantes, tanto parentes da vítima como simples estranhos, vieram visitar o cadáver.
O zoólogo britânico Iain Douglas-Hamilton, que se encontrava a estudar o comportamento dos proboscídeos na zona, escreveu, num estudo de 2006, que o caso constituía  “um exemplo de como elefantes e seres humanos podem partilhar emoções, como o pesar, e reconhecer e estar envolvidos na morte”. Outros especialistas destacaram o interesse que estes mamíferos manifestam pelos ossos e presas de elefantes aparentados, os quais tocam e removem com a tromba, mesmo decorridos anos depois do óbito.
Algo de semelhante acontece com os chimpanzés: Tina morreu devido ao ataque de um leopardo e o macho alfa do grupo manteve-se junto do cadáver durante horas, impedindo que outros se aproximassem. Só deixou que Tarzan, irmão de Tina, se sentasse ao seu lado. Segundo a antropóloga Barbara King, “o macho alfa reconheceu o forte laço emocional entre Tina e Tarzan e agiu com empatia”. O facto é que, como nos explica o primatólogo Frans de Waal, “os chimpanzés reagem à morte dos seus congéneres e parece que a veem como uma mudança profunda: não comem, ficam deprimidos e, por vezes, perdem peso”.
Outra história semelhante tornou-se conhecida graças ao impacto mediático suscitado pela foto da fêmea de gorila Gana com o filho Cláudio suspenso da boca, morto devido a uma deficiência genética no coração. Os comovidos visitantes do zoo de Munster, na Alemanha, foram testemunhas dos esforços da mãe para reanimar, embalar e transportar o bebé às costas; todos se reconheceram na tristeza, dor e consternação que o comportamento de Gana refletia. O caso ocorreu em 2008.
Cuidado para não humanizar
Os tratadores de golfinhos também conhecem o abalo que a morte de um exemplar causa no resto do grupo. Alterações do apetite, desânimo e apatia são sintomas frequentes que podem muito bem ser associados à depressão. Todas estes exemplos nos parecem familiares, equivalentes às manifestações de dor e sofrimento que as pessoas experimentam durante o luto. O paradigma darwinista confere sentido à ideia de que existe um contínuo na evolução e contribui para desmentir a excecionalidade humana entre os restantes seres vivos. Se existe uma sequência evolutiva, é expectável que comportamentos que se pensava serem exclusivos do homem estejam, na realidade, distribuídos pelos diferentes grupos taxonómicos, como nos casos anteriores.
Todavia, há cientistas que reclamam prudência. A lógica darwinista pode tornar plausíveis determinados raciocínios, mas qualquer afirmação tem de se sustentar em provas. Além disso, é conhecida a tendência do homem para atribuir qualidades humanas a cães e outros animais de estimação, ou mesmo a objetos, como devem saber alguns proprietários de automóveis ou motas. Trata-se daquilo que é designado por “antropomorfização”, e é como se estivéssemos a sobrepor emoções, intenções e estados mentais sobre as coisas com o objetivo de tornar a realidade mais reconfortante.
Estaremos a cair na antropomorfização quando atribuímos sentimentos a elefantes ou macacos? Estaremos a conferir-lhes algo precioso que, na realidade, apenas existe na mente de quem observa? Frans de Waal mostra-se cuidadoso na interpretação de certos fenómenos: “A partir dos dados obtidos, é impossível saber se compreendem o que está a acontecer, e menos ainda se poderá concluir que têm consciência da sua própria mortalidade.”
O etólogo Josep Call pronuncia-se no mesmo sentido: “Há observações que nos levam a pensar que chimpanzés e outros seres vivos sentem emoções e sofrem. No entanto, é preciso reunir mais dados empíricos e sistemáticos sobre o tema.” Seja como for, o facto de os seres vivos reconhecerem a morte não é um acontecimento extraordinário. Pelo contrário, é bastante habitual.
Por exemplo, Edward O. Wilson, fundador da sociobiologia e um dos maiores peritos em formigas, observou que estes insetos detetam os cadáveres de membros da sua espécie pelo odor caraterístico que emanam. Numa experiência, depositou uma gota de ácido oleico sobre uma formiga viva; as outras trataram-na como se estivesse morta e arrastaram-na para fora do formigueiro, como fazem habitualmente com os cadáveres.
Por outro lado, os etólogos conhecem comportamentos em que a morte faz parte do jogo da sobrevivência. É o caso dos animais que fingem estar mortos para evitarem o ataque de um predador, ou dos que arriscam a própria vida para salvar as crias, como acontece com algumas aves: simulam ter uma asa partida para atrair a atenção do inimigo e afastá-lo, dessa forma, do ninho.
Sentem dor ou só parecem senti-la?
Aquilo que chama a atenção não é, por conseguinte, o conhecimento da morte em si, mas as alegadas emoções que o facto provocaria em seres como os golfinhos ou os elefantes. Trata-se de espécies em cujos cérebros têm sido detetadas alterações no córtex pré-frontal e na amígdala, regiões que se ativam com as emoções humanas. São também criaturas extremamente sociáveis, que estabelecem fortes laços com os seus congéneres. A morte de um exemplar com o qual mantinham uma ligação afetiva pode produzir dor e pena. O problema de fundo é, por conseguinte, se os animais podem ter sentimentos e emoções. À partida, a impressão é afirmativa, mas será mesmo assim?
É impossível entrar na cabeça de um elefante ou de um gorila para saber o que sentem. No entanto, há cientistas que asseguram não ser necessário semelhante passo, pois as emoções transparecem através do conjunto de atitudes, gestos e ações. Será o comportamento como uma bola de cristal através da qual podemos ver os estados mentais?
A primatóloga Carmen Maté, da Universidade Pompeu Fabra (Barcelona), está convencida de que não é um erro falar em sentimentos animais: “Tal como podemos conhecer, através da linguagem não-verbal, os estados emocionais de uma pessoa, ainda que não partilhemos o idioma ou a cultura, essa identificação pode ocorrer com indivíduos de outras espécies.”
Carmen Maté, que foi diretora do zoo da capital catalã, assegura: “Os chimpanzés conseguem reconhecer os nossos estados emocionais, tal como nós captamos os seus. A diferença reside na nossa capacidade para exprimi-los por palavras. Os chimpanzés são muito expressivos nos trejeitos e nos gestos, fazem coisas semelhantes às humanas e nós também fazemos coisas parecidas com as deles, pois partilhamos o sistema límbico, responsável pelas emoções.”
A primatóloga está também convicta de que a consciência da morte está claramente associada à capacidade de empatia e simpatia, isto é, à disposição não só de identificar os estados emocionais como, também, de se colocar no lugar do outro. Os chimpanzés conseguem perceber que um companheiro do grupo está deprimido e procuram consolá-lo: “Estamos a falar de primatas que se reconhecem no espelho, que possuem aptidões cognitivas semelhantes às nossas em alguns casos, e que conseguem identificar estados emocionais para oferecer consolo. Se têm todas essas capacidades, por que não poderiam sentir como nós?”, pergunta Carmen Maté.
Além da vertente emocional, o reconhecimento da morte entre os seres humanos implica aceitar que a própria pessoa é mortal e que também irá desaparecer. Dado que é impossível averiguar se os gorilas sofrem crises existenciais, podemos adiantar, em contrapartida, que há experiências para avaliar o seu grau de autoconsciência. O reconhecimento no espelho constitui um teste ultrapassado por elefantes, chimpanzés e golfinhos, enquanto os restantes animais não conseguem aperceber-se de que estão a ver refletido o próprio corpo. Ultrapassar a prova significa ter, em algum grau, consciência de si próprio.
A dor e a tristeza observadas no reino animal obrigam-nos a rever a questão das diferenças que nos separam dos restantes seres vivos. Trata-se de saber onde colocar a linha de demarcação. Cada novo estudo permite acrescentar camadas de complexidade, precisão e gradualismo à interrogação. Encontramo-nos perante um problema de interpretação, e de saber como encará-lo com rigor. A falta de unanimidade entre a comunidade científica para interpretar a empatia, a dor, o luto ou a autoconsciência no mundo selvagem convida a que se façam mais experiências. No fim de contas, tal como afirma judiciosamente o psicólogo californiano Michael Gazzaniga, nunca nos passaria pela cabeça convidar um chimpanzé para sair, embora não saibamos muito bem porquê.
R.C.

Diálogo com Koko
A fêmea Koko, nascida em 1971, é um dos poucos gorilas que conseguiram aprender a linguagem de sinais, segundo os seus tratadores na Universidade de Stanford (Califórnia). Limitações fisiológicas impedem os símios de falar, mas podem adquirir uma “linguagem” rudimentar, que, no caso de Koko, chega às mil palavras. Carmen Maté explica, no seu livroSeis Olhares Sobre a Morte, a forma como a gorila utilizava a linguagem de sinais para se referir à morte (“buraco cómodo, adeus”, foi a sua resposta à pergunta sobre para onde iam os gorilas quando morriam) e aos seus sentimentos em relação ao motivo do luto (“dormir”) e à perda de um ser querido (“chorar”).

SUPER 162 - Outubro 2011

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