Os
animais reagem como o ser humano face à morte de um dos seus semelhantes? Os
zoólogos deparam com casos difíceis de interpretar.
Em 2003, após uma mordedura fatal de
serpente, Eleonor, uma elefante
fêmea de 40 anos, tombou no chão da Reserva Nacional de Samburu, no Quénia. A
sua congénere Graceaproximou-se para
socorrê-la e conseguiu que reagisse um pouco, mas Eleonor voltou a cair. Em seguida, Grace passou ao seu lado uma longa
noite de agonia até Eleonor morrer. Depois, numerosos
elefantes, tanto parentes da vítima como simples estranhos, vieram visitar o
cadáver.
O
zoólogo britânico Iain Douglas-Hamilton, que se encontrava a estudar o
comportamento dos proboscídeos na zona, escreveu, num estudo de 2006, que o
caso constituía “um exemplo de como elefantes e seres humanos podem
partilhar emoções, como o pesar, e reconhecer e estar envolvidos na morte”.
Outros especialistas destacaram o interesse que estes mamíferos manifestam
pelos ossos e presas de elefantes aparentados, os quais tocam e removem com a
tromba, mesmo decorridos anos depois do óbito.
Algo de semelhante acontece com os
chimpanzés: Tina morreu devido ao ataque de um
leopardo e o macho alfa do grupo manteve-se junto do cadáver durante horas,
impedindo que outros se aproximassem. Só deixou que Tarzan,
irmão de Tina, se sentasse ao seu
lado. Segundo a antropóloga Barbara King, “o macho alfa reconheceu o forte
laço emocional entre Tina e Tarzan e agiu com empatia”. O facto
é que, como nos explica o primatólogo Frans de Waal, “os chimpanzés reagem à
morte dos seus congéneres e parece que a veem como uma mudança profunda: não
comem, ficam deprimidos e, por vezes, perdem peso”.
Outra história semelhante tornou-se
conhecida graças ao impacto mediático suscitado pela foto da fêmea de gorila Gana com o filho Cláudio suspenso da boca, morto
devido a uma deficiência genética no coração. Os comovidos visitantes do zoo
de Munster, na Alemanha, foram testemunhas dos esforços da mãe para reanimar,
embalar e transportar o bebé às costas; todos se reconheceram na tristeza,
dor e consternação que o comportamento de Gana refletia. O caso ocorreu em
2008.
Cuidado para não humanizar
Os
tratadores de golfinhos também conhecem o abalo que a morte de um exemplar
causa no resto do grupo. Alterações do apetite, desânimo e apatia são
sintomas frequentes que podem muito bem ser associados à depressão. Todas
estes exemplos nos parecem familiares, equivalentes às manifestações de dor e
sofrimento que as pessoas experimentam durante o luto. O paradigma darwinista
confere sentido à ideia de que existe um contínuo na evolução e contribui
para desmentir a excecionalidade humana entre os restantes seres vivos. Se
existe uma sequência evolutiva, é expectável que comportamentos que se
pensava serem exclusivos do homem estejam, na realidade, distribuídos pelos
diferentes grupos taxonómicos, como nos casos anteriores.
Todavia,
há cientistas que reclamam prudência. A lógica darwinista pode tornar
plausíveis determinados raciocínios, mas qualquer afirmação tem de se
sustentar em provas. Além disso, é conhecida a tendência do homem para
atribuir qualidades humanas a cães e outros animais de estimação, ou mesmo a
objetos, como devem saber alguns proprietários de automóveis ou motas.
Trata-se daquilo que é designado por “antropomorfização”, e é como se
estivéssemos a sobrepor emoções, intenções e estados mentais sobre as coisas
com o objetivo de tornar a realidade mais reconfortante.
Estaremos
a cair na antropomorfização quando atribuímos sentimentos a elefantes ou
macacos? Estaremos a conferir-lhes algo precioso que, na realidade, apenas
existe na mente de quem observa? Frans de Waal mostra-se cuidadoso na
interpretação de certos fenómenos: “A partir dos dados obtidos, é impossível
saber se compreendem o que está a acontecer, e menos ainda se poderá concluir
que têm consciência da sua própria mortalidade.”
O
etólogo Josep Call pronuncia-se no mesmo sentido: “Há observações que nos
levam a pensar que chimpanzés e outros seres vivos sentem emoções e sofrem.
No entanto, é preciso reunir mais dados empíricos e sistemáticos sobre o
tema.” Seja como for, o facto de os seres vivos reconhecerem a morte não é um
acontecimento extraordinário. Pelo contrário, é bastante habitual.
Por
exemplo, Edward O. Wilson, fundador da sociobiologia e um dos maiores peritos
em formigas, observou que estes insetos detetam os cadáveres de membros da
sua espécie pelo odor caraterístico que emanam. Numa experiência, depositou
uma gota de ácido oleico sobre uma formiga viva; as outras trataram-na como
se estivesse morta e arrastaram-na para fora do formigueiro, como fazem
habitualmente com os cadáveres.
Por
outro lado, os etólogos conhecem comportamentos em que a morte faz parte do
jogo da sobrevivência. É o caso dos animais que fingem estar mortos para
evitarem o ataque de um predador, ou dos que arriscam a própria vida para
salvar as crias, como acontece com algumas aves: simulam ter uma asa partida
para atrair a atenção do inimigo e afastá-lo, dessa forma, do ninho.
Sentem dor ou só parecem
senti-la?
Aquilo
que chama a atenção não é, por conseguinte, o conhecimento da morte em si,
mas as alegadas emoções que o facto provocaria em seres como os golfinhos ou
os elefantes. Trata-se de espécies em cujos cérebros têm sido detetadas
alterações no córtex pré-frontal e na amígdala, regiões que se ativam com as
emoções humanas. São também criaturas extremamente sociáveis, que estabelecem
fortes laços com os seus congéneres. A morte de um exemplar com o qual
mantinham uma ligação afetiva pode produzir dor e pena. O problema de fundo
é, por conseguinte, se os animais podem ter sentimentos e emoções. À partida,
a impressão é afirmativa, mas será mesmo assim?
É
impossível entrar na cabeça de um elefante ou de um gorila para saber o que
sentem. No entanto, há cientistas que asseguram não ser necessário semelhante
passo, pois as emoções transparecem através do conjunto de atitudes, gestos e
ações. Será o comportamento como uma bola de cristal através da qual podemos
ver os estados mentais?
A
primatóloga Carmen Maté, da Universidade Pompeu Fabra (Barcelona), está
convencida de que não é um erro falar em sentimentos animais: “Tal como
podemos conhecer, através da linguagem não-verbal, os estados emocionais de
uma pessoa, ainda que não partilhemos o idioma ou a cultura, essa
identificação pode ocorrer com indivíduos de outras espécies.”
Carmen
Maté, que foi diretora do zoo da capital catalã, assegura: “Os chimpanzés
conseguem reconhecer os nossos estados emocionais, tal como nós captamos os
seus. A diferença reside na nossa capacidade para exprimi-los por palavras.
Os chimpanzés são muito expressivos nos trejeitos e nos gestos, fazem coisas
semelhantes às humanas e nós também fazemos coisas parecidas com as deles,
pois partilhamos o sistema límbico, responsável pelas emoções.”
A
primatóloga está também convicta de que a consciência da morte está
claramente associada à capacidade de empatia e simpatia, isto é, à disposição
não só de identificar os estados emocionais como, também, de se colocar no
lugar do outro. Os chimpanzés conseguem perceber que um companheiro do grupo
está deprimido e procuram consolá-lo: “Estamos a falar de primatas que se
reconhecem no espelho, que possuem aptidões cognitivas semelhantes às nossas
em alguns casos, e que conseguem identificar estados emocionais para oferecer
consolo. Se têm todas essas capacidades, por que não poderiam sentir como nós?”,
pergunta Carmen Maté.
Além
da vertente emocional, o reconhecimento da morte entre os seres humanos
implica aceitar que a própria pessoa é mortal e que também irá desaparecer.
Dado que é impossível averiguar se os gorilas sofrem crises existenciais,
podemos adiantar, em contrapartida, que há experiências para avaliar o seu
grau de autoconsciência. O reconhecimento no espelho constitui um teste
ultrapassado por elefantes, chimpanzés e golfinhos, enquanto os restantes
animais não conseguem aperceber-se de que estão a ver refletido o próprio
corpo. Ultrapassar a prova significa ter, em algum grau, consciência de si
próprio.
A
dor e a tristeza observadas no reino animal obrigam-nos a rever a questão das
diferenças que nos separam dos restantes seres vivos. Trata-se de saber onde
colocar a linha de demarcação. Cada novo estudo permite acrescentar camadas
de complexidade, precisão e gradualismo à interrogação. Encontramo-nos
perante um problema de interpretação, e de saber como encará-lo com rigor. A
falta de unanimidade entre a comunidade científica para interpretar a
empatia, a dor, o luto ou a autoconsciência no mundo selvagem convida a que
se façam mais experiências. No fim de contas, tal como afirma judiciosamente
o psicólogo californiano Michael Gazzaniga, nunca nos passaria pela cabeça
convidar um chimpanzé para sair, embora não saibamos muito bem porquê.
R.C.
Diálogo com Koko
A fêmea Koko, nascida em 1971, é
um dos poucos gorilas que conseguiram aprender a linguagem de sinais, segundo
os seus tratadores na Universidade de Stanford (Califórnia). Limitações
fisiológicas impedem os símios de falar, mas podem adquirir uma “linguagem”
rudimentar, que, no caso de Koko, chega às mil
palavras. Carmen Maté explica, no seu livroSeis
Olhares Sobre a Morte, a forma como a gorila utilizava a
linguagem de sinais para se referir à morte (“buraco cómodo, adeus”, foi a
sua resposta à pergunta sobre para onde iam os gorilas quando morriam) e aos
seus sentimentos em relação ao motivo do luto (“dormir”) e à perda de um ser
querido (“chorar”).
SUPER 162 - Outubro 2011
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sábado, 13 de outubro de 2012
Eles também sentem a morte?
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