A última escolha
São os maiores
mamíferos arbóreos do planeta. Conhecidos como “homens da floresta” (do
indonésio e malaio orang, “pessoa”, e hutan, “floresta”), os orangotangos foram
incluídos na mesma família taxonómica da espécie humana (Hominidae) e são os últimos grandes símios hominóides presentes na
Ásia. Têm também uma “profissão”: são agricultores. Os frutos constituem mais
de 60 por cento da sua diversificada dieta, formada por mais 500 espécies de
plantas diferentes (das quais consomem também flores, folhas, rebentos e casca)
e ainda alguns insectos. Nas suas deslocações diárias, a uma altura de 6 a 10
metros na copa das árvores, estes primatas de pelagem ruiva, ar bonacheirão e
reconhecida inteligência dispersam o pólen e as sementes destas plantas pelos
seus territórios individuais, que cobrem centenas a milhares de hectares de
floresta, contribuinso assim para o equilibrio da flora e da fauna do seu
ecossistema, um dos mais ricos em biodiversidade do mundo. (!)
No entanto, a
gigantesca conversão das suas florestas nativas em plantações, especialmente o
óleo de palma (Elaeis guineensis),
que se verificou nas recentes décadas, resultou no desaparecimento e
fragmentação de grande parte do seu habitat. Trouxe ainda outras formas de
pressão humana, como a caça para consumo da sua carne, a venda das crias no
comércio de animais de estimação (ilegal, mas intenso e continuado) e o abate
generalizado por serem considerados uma ameaça às culturas agrícolas.
De acordo com as
estimativas mais recentes, 2004, a população de orangotango de Samatra (Pongo abelii) ainda existente conta
apenas com perto de 7300 indivíduos presentes numa área total de floresta de
20552 quilómetros quadrados, da qual menos de metade se situa abaixo dos mil
metros de altitude e consegue albergar populações permanentes. O orangotango do
Bornéu (Pongo pygmaeus), por sua vez,
tem a população total estimada em 45 a 69 mil indivíduos, ou seja, o
equivalente ao número de habitantes das cidades de Évora e Aveiro, numa área
total de habitat adequado, mas altamente fragmentado, próxima de Portugal
continental.
Além de serem o único
território nativo dos orangotangos, a Indonésia e a Malásia são também os
maiores produtores de óleo de palma do mundo. Não é por acaso que investem na
gordura vegetal desta palmeira africana, também conhecida como dendezeiro ou
dendém. Cerca de metade dos produtos embalados que encontramos hoje nos
supermercados, desde géneros alimentares á cosmética, comtém óleo de palma.
Considerado também um percursor interessante para o biodiesel (embora menos
“verde” do que parece), a sua importância não se esgota no nível
macroeconómico: as famílias e os pequenos produtores locais reconhecem no óleo
de palma a possibilidade da melhoria da sua qualidade de vida e a opção de
escolaridade para os seus filhos, criando uma enorme pressão sobre as florestas
naturais.
Foi precisamente para
defender a produção sustentável de óleo de palma e os valiosos
ecossistemas que têm desaparecido a um
ritmo assustador, na região, que a World
Wildlife Found (WWF) ajudou a criar, em 2004, a Round-table on Sustainable
Palm Oil (RSPO). Esta organização de visão mundial e empenho local junta
produtores, processadores, vendedores, retalhistas, investidores e entidades
bancárias, ONGs ambientais e de desenvolvimento, entidades governamentais e
consumidores de bens manufaturados, com o objectivo de promover boas práticas
de produção de óleo de palma e sua certificação.
Em 2008, a RSPO apenas
podia contar com 17 fábricas certificadas em dois países, a Malásia e a
Papuásia-Nova Guiné, mas reúne agora 29 empresas produtoras e 135 fábricas de
seis nacionalidades: Brasil, Colômbia, Ilhas Salomão, Indonésia, Malásia e a
Papuásia-Nova Guiné. A entrada destes novos parceiros traduziu-se num aumento
de volume certificado de vendas de óleo de palma de 350 mil toneladas, em 2009,
para 2,5 milhões de toneladas, em 2011. A MacDonald´s aderiu também a esta
organização, em 2011, tal como já haviam feito outras grandes empresas como a
Walmart e a Citigroup. Boas notícias, tendo em conta o volume deste óleo que é
consumido anualmente na fritura de batatas e McNuggets nas múltiplas sucursais
MacDonald´s das regiões da Ásia-Pacífico, do Médio Oriente, de África e da América
Latina.
Para outras
organizações de conservação, como a Greenpeace, estas notícias não são, no
entanto, ainda dignas de júbilo. É óbvio que a adesão bem intencionada à RSPO
não será suficiente para mudar a tendência atual, e nem sequer garante o
cumprimento das boas práticas. Se as taxas de desflorestação na região se
mantiverem inalteradas (ou aumentarem), os orangotangos estarão extintos dentro
de duas a três décadas e, com eles, um elevado número de outras espécies
biológicas, muitas delas ainda nem conhecidas pela ciência. A preocupação dos
céticos não é sequer somente paisagística ou moral: a substituição das
florestas tropicais húmidas por plantações, que se tem verificado em todo o
mundo, nas últimas décadas, poderá fazer pesar a balança das alterações
climáticas para um nível indesejável e irreversível. Por outrtas palavras,
teremos de aprender a sobreviver num mundo de fenómenos climatéricos intensos e
imprevisíveis dos quais já ouvimos falar, mas que ainda não acreditamos que
possa materializar-se.
Para muitos analistas,
a escolha principal sobre a tendência futura da região e dos seus recursos
naturais é decididamente dos consumidores. O óleo de palma é mundialmente
consumido de forma quotidiana e descontraída, para o que tem contribuido o
facto de estar frequentemente dissimulado nas listas de ingredientes sob a
designação de “óleo vegetal” ou “gordura vegetal”. No final de 2011, a União
Europeia adotou regulamentação que obriga à identificação exata dos óleos de
origem vegetal nos produtos alimentares, com a intenção de promover mudanças
significativas na indústria do óleo de palma, bem como a proteção dos
consumidores, de modo a poderem fazer escolhas informadas.
Infelizmente, o homem da floresta
não pode escolher. O leitor pode. Qual é a sua escolha?
Super interessante nº169 – Maio de 2012