domingo, 21 de outubro de 2012

Comida, só nua & crua


A nova moda da dieta crudívora


Só comem alimentos por cozinhar, de preferência de origem ecológica. Os crudívoros garantem que se trata da melhor alimentação para evitar numerosas doenças.
Maxilares fortes, pele luminosa, cabelo saudável, peso ideal, nada de toxinas: eis alguns dos alegados benefícios orgânicos de que se gabam os crudívoros, pessoas que se alimentam de comida por cozinhar. Segundo defendem os seus adeptos, é aquilo que a natureza dita e, por conseguinte, os alimentos devem ser consumidos tal como ela os proporciona: frescos e sem ser cozinhados. Caso contrário, perdem grande parte dos nutrientes.
A alimentação crudívora, uma variante do veganismo (a vertente vegetariana que exclui os alimentos de origem animal), inclui frutas, hortaliças, frutos secos e sementes. No entanto, alguns dos que a seguem também comem carne e peixe crus. Os partidários do crudivorismo estrito adotam-no como parte de um estilo de vida naturista. É o caso de Baltasar Lorenzo, responsável pela introdução deste tipo de alimentação em Espanha, que vive numa quinta dos arredores de Málaga e se alimenta dos produtos da época que cultiva na própria horta. Quando o clima o permite, passeia pela propriedade nu e toma banho numa cascata próxima, embora “tome duche durante o resto do tempo, como toda a gente”, segundo esclarece. Segundo ele, ser crudista “não significa voltar às cavernas, nem ser antissocial, nem renunciar aos avanços ou às tecnologias”. De facto, até já criou um grupo no Facebook.
É também na rede social que muitos adeptos portugueses da “comida viva”, como lhe chamam, se conhecem e trocam informações, embora também já se organizem diversas iniciativas com conselhos e receitas crudívoras. Márcia Almeida, por exemplo, autora de um blogue e responsável por vários workshops sobre o tema, revelava na página Sabores(http://sabores.sapo.pt) que as pessoas adotam este regime alimentar sobretudo por duas razões: ética ou saúde. Todavia, o crudivorismo possui ainda a vantagem de ser uma alternativa económica para comer com mais qualidade, pois, apesar de frutas e legumes biológicos poderem ser mais caros, o que se poupa no talho, na peixaria e nas faturas do gás e da eletricidade para cozinhar compensa e muito!
Melhor prevenir do que curar
Não faltam estudos a apresentar o crudivorismo como uma forma eficaz de evitar o aparecimento de determinadas doenças. Segundo uma investigação coordenada por Tong Chen, da Universidade do Estado do Ohio, os morangos desidratados poderiam ser uma alternativa (ou um complemento) aos fármacos para proteger as pessoas em risco de sofrer de cancro do esófago, pois reduzem as lesões pré-tumorais. Outro estudo, desenvolvido por cientistas da Universidade do Missouri em Columbia, conclui que a apigenina, um flavonoide presente em plantas e hortaliças como a salsa, os nabos ou o aipo, possui importantes propriedades preventivas relativamente a alguns tipos de cancro da mama. De igual modo, comer uma maçã por dia reduz o colesterol LDL em 23 por cento e diminui o peso nas mulheres pós-menopáusicas.
Edmund Semler, nutricionista especializado em alimentação vegetariana crudívora e diretor científico da Academia Dietética alemã, analisou durante oito anos a literatura médica do último século sobre a utilização medicinal do crudivorismo e chegou à conclusão de que pode curar ou melhorar muitos problemas de saúde caraterísticos das sociedades ocidentais, como as doenças cardiovasculares e reumáticas, a diabetes e a enxaqueca.
Segundo Semler, há duas etapas fundamentais nesta corrente: uma entre 1920 e 1930 e outra dos anos 80 até aos nossos dias, “com a grande diferença de que, nos anos 20, a maior parte dos que se interessavam pelo crudivorismo fazia-o por razões de saúde e não por convicção, ao contrário do que se verifica hoje em dia”, afirma. E acrescenta: “Na altura, houve um pequeno boom do crudivorismo na Alemanha, graças, em parte, ao facto de a medicina ser mais aberta, e também por a experiência do clínico pesar mais do que atualmente.”
Semler, tal como o seu colega Paul Habison, outro nutricionista, discorda dos que defendem que a única via para tratar é a farmacológica. De facto, classificam de “extraordinários” os resultados obtidos pelos primeiros médicos que aplicaram o regime crudívoro na prática clínica. O problema, segundo os dois especialistas, é que se trata de um regime alimentar que caiu no esquecimento: “Investigadores e médicos, influenciados pelo crescimento da indústria farmacêutica, ignoraram a literatura científica sobre o tema. Não é uma panaceia, mas um verdadeiro tratamento com potencial.”
Há mais de 40 anos, o músico francês Guy-Claude Burger decidiu mudar de hábitos alimentares depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro em fase terminal. Embora não se tenha provado que aquilo que comia fosse a causa da evolução favorável, o certo é que o tumor maligno desapareceu. Desde então, divulga o que se tornou conhecido por “alimentação instintiva” ou anopsologia, basea­da na ideia de que o homem está geneticamente adaptado ao meio natural que o rodeia e à dieta primordial, e que a modificação dos alimentos, ao serem processados, conduz à acumulação de toxinas no organismo, o que provoca doenças e abrevia a vida.
Diversidade de opiniões
Perante esta tese, Kristen Gremillion, professora de antropologia da Universidade do Ohio e autora do livro Apetites Ancestrais – Alimentação na Pré-História, assegura: “Embora essa alimentação tenha uma base científica e seja saudável, não é mais natural do que as restantes. Em vez de basear a nossa alimentação no que o homem comia há milhares de anos, faria mais sentido valorizar as nossas atuais necessidades nutricionais e descobrir a melhor forma de satisfazê-las.”
Nas palavras de Ada Garcia, professora de nutrição humana da Universidade de Glasgow (Escócia) e co-autora de diversos estudos sobre os efeitos nutricionais da alimentação crudívora, “mantê-la durante muito tempo pode ter implicações negativas para a saúde e provocar carências de certos nutrientes”. Numa das investigações, efetuada em conjunto com colegas do Instituto de Ciências da Nutrição da Universidade de Giessen (Alemanha), analisou as alterações verificadas em 201 alemães que tinham adotado o regime crudívoro durante três anos e meio, em média.
No fim, concluíram que os principais inconvenientes eram a redução dos níveis de colesterol bom no sangue (o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares) e uma deficiência de vitamina B12, apenas presente em alimentos de origem animal (o que pode causar uma anemia perniciosa). Entre os benefícios do regime alimentar, Ada Garcia destaca a manutenção de um índice de massa corporal (IMC) normal e níveis elevados de betacarotenos, dois fatores “importantes na prevenção de doenças crónicas e de certos tipos de cancro”, explica.
Ana, licenciada em marketing, conheceu o crudivorismo há cerca de três anos, quando viu um programa televisivo sobre o tema. Depois de uma viagem ao estrangeiro, abandonou o regime ovo-lacto-vegetariano que seguia e passou para a “comida viva”. “Em duas semanas, perdi quatro quilos de líquidos, desinchei e apercebi-me de mudanças positivas, sobretudo ao nível do cabelo e da pele. A vitalidade também melhorou imenso”, garante.
Cada vez são mais as pessoas que, como ela, decidem mudar de regime alimentar. Paí­ses como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália já contam com restaurantes (muitas vezes frequentados por celebridades de Hollywood) que oferecem exclusivamente este tipo de pratos. Na Europa, para além da Alemanha e de França, a Espanha também acaba de aderir, com a abertura, em Madrid, do Crucina, um restaurante para crudiveganos. Porém, o que ali servem não é exatamente o que se entende por comida crua. Os proprietários apostam na cozinha sem fogões, elaborada de diversas formas, com recurso a diferentes máquinas e processos como a desidratação, sempre a uma temperatura abaixo dos 41 ºC, “para assegurar que os alimentos conservam todos os seus nutrientes”, explicam.
Em Portugal, um estudo pioneiro realizado em 2008 estimava que havia mais de 30 mil vegetarianos, mas apenas uma minoria será adepta do veganismo e, menos ainda, do crudivorismo.
Seja como for, os nutricionistas aconselham aos que pretendam seguir esta alimentação o consumo de suplementos vitamínicos (que contenham, por exemplo, vitamina B12). Todavia, o mais importante, na opinião de todos, é não cair em  exageros e fanatismos. Como dizia Hipócrates, “que a comida seja o teu alimento e o alimento a tua medicina”.
E.P./I.J.

O quebra-nozes era... frugívoro
O Paranthropus boisei, um hominídeo que se tornou conhecido como “homem quebra-nozes”, viveu na África Ocidental há entre 2,6 e 1,2 milhões de anos. Ao contrário do que se pensava, não comia frutos de casca dura, raízes e tubérculos. É o que confirma um estudo publicado, em Maio deste ano, pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), dirigido pelo investigador Thure Cerling, no qual se analisa a sua dentadura.
A investigação, coordenada por antropólogos da Universidade do Arkansas, concluiu que as marcas encontradas nos dentes são mais caraterísticas de animais frugívoros. Os resultados indicam que a sua alimentação era muito semelhante à seguida por animais herbívoros que viveram na mesma época, os antepassados das zebras, dos suínos, dos javalis e dos hipopótamos modernos.

SUPER 162 - Outubro 2011

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