A nova moda da dieta
crudívora
Só
comem alimentos por cozinhar, de preferência de origem ecológica. Os
crudívoros garantem que se trata da melhor alimentação para evitar numerosas
doenças.
Maxilares
fortes, pele luminosa, cabelo saudável, peso ideal, nada de toxinas: eis
alguns dos alegados benefícios orgânicos de que se gabam os crudívoros, pessoas
que se alimentam de comida por cozinhar. Segundo defendem os seus adeptos, é
aquilo que a natureza dita e, por conseguinte, os alimentos devem ser
consumidos tal como ela os proporciona: frescos e sem ser cozinhados. Caso
contrário, perdem grande parte dos nutrientes.
A alimentação crudívora, uma variante do
veganismo (a vertente vegetariana que exclui os alimentos de origem animal),
inclui frutas, hortaliças, frutos secos e sementes. No entanto, alguns dos
que a seguem também comem carne e peixe crus. Os partidários do crudivorismo
estrito adotam-no como parte de um estilo de vida naturista. É o caso de
Baltasar Lorenzo, responsável pela introdução deste tipo de alimentação em
Espanha, que vive numa quinta dos arredores de Málaga e se alimenta dos produtos
da época que cultiva na própria horta. Quando o clima o permite, passeia pela
propriedade nu e toma banho numa cascata próxima, embora “tome duche durante
o resto do tempo, como toda a gente”, segundo esclarece. Segundo ele, ser
crudista “não significa voltar às cavernas, nem ser antissocial, nem
renunciar aos avanços ou às tecnologias”. De facto, até já criou um grupo no Facebook.
É também na rede social que muitos adeptos
portugueses da “comida viva”, como lhe chamam, se conhecem e trocam informações,
embora também já se organizem diversas iniciativas com conselhos e receitas
crudívoras. Márcia Almeida, por exemplo, autora de um blogue e responsável
por vários workshops sobre o tema, revelava na
página Sabores(http://sabores.sapo.pt) que as pessoas adotam este regime alimentar sobretudo por duas
razões: ética ou saúde. Todavia, o crudivorismo possui ainda a vantagem de
ser uma alternativa económica para comer com mais qualidade, pois, apesar de
frutas e legumes biológicos poderem ser mais caros, o que se poupa no talho,
na peixaria e nas faturas do gás e da eletricidade para cozinhar compensa e
muito!
Não
faltam estudos a apresentar o crudivorismo como uma forma eficaz de evitar o
aparecimento de determinadas doenças. Segundo uma investigação coordenada por
Tong Chen, da Universidade do Estado do Ohio, os morangos desidratados
poderiam ser uma alternativa (ou um complemento) aos fármacos para proteger
as pessoas em risco de sofrer de cancro do esófago, pois reduzem as lesões
pré-tumorais. Outro estudo, desenvolvido por cientistas da Universidade do
Missouri em Columbia, conclui que a apigenina, um flavonoide presente em
plantas e hortaliças como a salsa, os nabos ou o aipo, possui importantes
propriedades preventivas relativamente a alguns tipos de cancro da mama. De
igual modo, comer uma maçã por dia reduz o colesterol LDL em 23 por cento e
diminui o peso nas mulheres pós-menopáusicas.
Edmund
Semler, nutricionista especializado em alimentação vegetariana crudívora e
diretor científico da Academia Dietética alemã, analisou durante oito anos a
literatura médica do último século sobre a utilização medicinal do
crudivorismo e chegou à conclusão de que pode curar ou melhorar muitos problemas
de saúde caraterísticos das sociedades ocidentais, como as doenças
cardiovasculares e reumáticas, a diabetes e a enxaqueca.
Segundo
Semler, há duas etapas fundamentais nesta corrente: uma entre 1920 e 1930 e
outra dos anos 80 até aos nossos dias, “com a grande diferença de que, nos
anos 20, a maior parte dos que se interessavam pelo crudivorismo fazia-o por
razões de saúde e não por convicção, ao contrário do que se verifica hoje em
dia”, afirma. E acrescenta: “Na altura, houve um pequeno boom do crudivorismo
na Alemanha, graças, em parte, ao facto de a medicina ser mais aberta, e
também por a experiência do clínico pesar mais do que atualmente.”
Semler,
tal como o seu colega Paul Habison, outro nutricionista, discorda dos que
defendem que a única via para tratar é a farmacológica. De facto, classificam
de “extraordinários” os resultados obtidos pelos primeiros médicos que
aplicaram o regime crudívoro na prática clínica. O problema, segundo os dois
especialistas, é que se trata de um regime alimentar que caiu no
esquecimento: “Investigadores e médicos, influenciados pelo crescimento da
indústria farmacêutica, ignoraram a literatura científica sobre o tema. Não é
uma panaceia, mas um verdadeiro tratamento com potencial.”
Há
mais de 40 anos, o músico francês Guy-Claude Burger decidiu mudar de hábitos
alimentares depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro em fase terminal.
Embora não se tenha provado que aquilo que comia fosse a causa da evolução
favorável, o certo é que o tumor maligno desapareceu. Desde então, divulga o
que se tornou conhecido por “alimentação instintiva” ou anopsologia, baseada
na ideia de que o homem está geneticamente adaptado ao meio natural que o
rodeia e à dieta primordial, e que a modificação dos alimentos, ao serem
processados, conduz à acumulação de toxinas no organismo, o que provoca
doenças e abrevia a vida.
Diversidade de opiniões
Perante esta tese, Kristen Gremillion,
professora de antropologia da Universidade do Ohio e autora do livro Apetites
Ancestrais – Alimentação na Pré-História, assegura: “Embora essa
alimentação tenha uma base científica e seja saudável, não é mais natural do
que as restantes. Em vez de basear a nossa alimentação no que o homem comia
há milhares de anos, faria mais sentido valorizar as nossas atuais
necessidades nutricionais e descobrir a melhor forma de satisfazê-las.”
Nas
palavras de Ada Garcia, professora de nutrição humana da Universidade de
Glasgow (Escócia) e co-autora de diversos estudos sobre os efeitos
nutricionais da alimentação crudívora, “mantê-la durante muito tempo pode ter
implicações negativas para a saúde e provocar carências de certos
nutrientes”. Numa das investigações, efetuada em conjunto com colegas do
Instituto de Ciências da Nutrição da Universidade de Giessen (Alemanha),
analisou as alterações verificadas em 201 alemães que tinham adotado o regime
crudívoro durante três anos e meio, em média.
No
fim, concluíram que os principais inconvenientes eram a redução dos níveis de
colesterol bom no sangue (o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares)
e uma deficiência de vitamina B12, apenas presente em alimentos de origem
animal (o que pode causar uma anemia perniciosa). Entre os benefícios do
regime alimentar, Ada Garcia destaca a manutenção de um índice de massa corporal
(IMC) normal e níveis elevados de betacarotenos, dois fatores “importantes na
prevenção de doenças crónicas e de certos tipos de cancro”, explica.
Ana, licenciada em marketing,
conheceu o crudivorismo há cerca de três anos, quando viu um programa televisivo
sobre o tema. Depois de uma viagem ao estrangeiro, abandonou o regime
ovo-lacto-vegetariano que seguia e passou para a “comida viva”. “Em duas
semanas, perdi quatro quilos de líquidos, desinchei e apercebi-me de mudanças
positivas, sobretudo ao nível do cabelo e da pele. A vitalidade também
melhorou imenso”, garante.
Cada vez são mais as pessoas que, como ela,
decidem mudar de regime alimentar. Países como os Estados Unidos, o Canadá
ou a Austrália já contam com restaurantes (muitas vezes frequentados por
celebridades de Hollywood) que oferecem exclusivamente este tipo de pratos.
Na Europa, para além da Alemanha e de França, a Espanha também acaba de
aderir, com a abertura, em Madrid, do Crucina, um restaurante
para crudiveganos. Porém, o que ali servem não é exatamente o que se entende
por comida crua. Os proprietários apostam na cozinha sem fogões, elaborada de
diversas formas, com recurso a diferentes máquinas e processos como a
desidratação, sempre a uma temperatura abaixo dos 41 ºC, “para assegurar que
os alimentos conservam todos os seus nutrientes”, explicam.
Em
Portugal, um estudo pioneiro realizado em 2008 estimava que havia mais de 30
mil vegetarianos, mas apenas uma minoria será adepta do veganismo e, menos
ainda, do crudivorismo.
Seja
como for, os nutricionistas aconselham aos que pretendam seguir esta
alimentação o consumo de suplementos vitamínicos (que contenham, por exemplo,
vitamina B12). Todavia, o mais importante, na opinião de todos, é não cair
em exageros e fanatismos. Como dizia Hipócrates, “que a comida seja o
teu alimento e o alimento a tua medicina”.
E.P./I.J.
O quebra-nozes era...
frugívoro
O Paranthropus boisei, um
hominídeo que se tornou conhecido como “homem quebra-nozes”, viveu na África
Ocidental há entre 2,6 e 1,2 milhões de anos. Ao contrário do que se pensava,
não comia frutos de casca dura, raízes e tubérculos. É o que confirma um
estudo publicado, em Maio deste ano, pela revista Proceedings
of the National Academy of Sciences (PNAS), dirigido pelo
investigador Thure Cerling, no qual se analisa a sua dentadura.
A
investigação, coordenada por antropólogos da Universidade do Arkansas,
concluiu que as marcas encontradas nos dentes são mais caraterísticas de
animais frugívoros. Os resultados indicam que a sua alimentação era muito
semelhante à seguida por animais herbívoros que viveram na mesma época, os
antepassados das zebras, dos suínos, dos javalis e dos hipopótamos modernos.
SUPER 162 - Outubro 2011
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