(Xysticus grallator)
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Bichos repelentes ou símbolos
de felicidade?
Nem
o facto de serem consideradas prelúdio de fortuna altera o sentimento de
repugnância que nutrimos por elas. No entanto, apesar de as detestarmos,
continuam a prestar-nos um inestimável serviço, devido à quantidade de
insectos prejudiciais que eliminam. O biólogo Jorge Nunes revela
curiosidades, mitos e perigos destas admiráveis tecedeiras. Uma leitura
recomendável, mesmo para quem sofre de aracnofobia.
Há
tempos, seguia tranquilamente por uma rua da cidade do Porto quando, de
repente, uma jovem começou a pular e a gritar, alvoraçada: “Aaahh! Que
noooojo! Aranhas! Bichos nojentos e horríveis! Aaahh!” Por momentos, ainda
pensei que era uma cena para algum programa de apanhados, mas rapidamente me
apercebi, através do seu rosto horrorizado e pelo modo como sacudia
energicamente o cabelo, que estava verdadeiramente em pânico. Padecia
seguramente de aracnofobia.
O
medo de aranhas, uma das fobias mais comuns, pode manifestar-se de várias
formas: pânico, suores frios, respiração acelerada e náuseas. São geralmente
reacções totalmente irracionais, mas que, na verdade, podem condicionar
bastante a vida de uma pessoa. Em casos mais graves, chegam a influenciar
aspectos como o local escolhido para viver, a rotina diária, passatempos e
locais de férias, entre outros. Felizmente, como acontece com a maioria das
fobias, o “medo de aranhas” pode curar-se com tratamentos psicológicos
adequados. Estes consistem essencialmente na exposição progressiva aos
aranhiços, os monstros de oito patas que tanto atemorizam algumas pessoas. Se
tudo correr bem, ao fim de algum tempo os pacientes já passam a ver as
aranhas com outros olhos. Afinal, não há razão alguma para odiar estes
pequenos animais, magníficos predadores de insectos e verdadeiros mestres na
arte da tecelagem.
Se
julga que sofre mesmo de aracnofobia, por favor não leia o que se segue (pelo
menos, enquanto não se curar desse mal) e passe de imediato à secção
seguinte. Por mais que a higiene seja o seu forte e que até pudesse ganhar o
prémio de limpeza do lar, fique a saber que mais tarde ou mais cedo acabará
por partilhá-lo com algumas (a palavra mais adequada seria “muitíssimas”, mas
não queremos assustar os leitores) aranhas. Quando menos esperar, vai
cruzar-se com algum aranhiço dependurado numa das suas plantas ornamentais ou
escondido nas costas de um dos móveis. Isto se o bicho não for mais descarado
e não lhe decorar os tectos com algumas teias balouçantes. Antes que possa
sentir-se impotente perante tão insolente invasão de propriedade, o melhor é
aceitar com naturalidade a presença dos novos moradores, que, geralmente,
vieram para ficar. Para quem não suporta o atrevimento e quer preservar a sua
propriedade, saiba que não precisa de esmagar o bicho, basta empurrá-lo com a
vassoura e atirá-lo pela janela. Talvez encontre um novo lar onde possa levar
uma vida mais serena sem se ver constantemente em palpos-de-aranha.
Apesar de poderem ser muitas as aranhas que
vivem nas nossas casas, são ainda mais as que vivem nos nossos jardins ou
quintais. Entre as mais vulgares, contam-se a aranha-dos-jardins, a
aranha-de-cruz e a aranha-caranguejo. Umas fazem-no de um modo permanente,
apesar de não pagarem renda, outras são visitantes ocasionais que de vez em
quando resolvem importunar-nos com as suas passeatas. Caso tenha
curiosidade em conhecer alguns dos seus possíveis inquilinos, visite http://www.aranhas.info e fique a saber quais são as espécies que
lhe poderão entrar pela casa adentro.
Uma história antiga
Ao
contrário do que pensa a maioria das pessoas, as aranhas não são insectos.
Distinguem-se facilmente destes por possuírem oito patas e pela ausência de
antenas (os insectos adultos têm frequentemente três pares de patas e um par
de antenas). As aranhas fazem parte de um grande grupo do filo dos artrópodes
designado por “aracnídeos” ou “quelicerados”, no qual se incluem também os
escorpiões, as carraças e os ácaros.
Os aracnídeos constituem um grupo muito
antigo, remontando a sua origem há cerca de 400 milhões de anos, numa época
em que o planeta se encontrava matizado por inúmeros pântanos onde se
desenvolvia uma vegetação luxuriante que acabou por fossilizar, originando o
carvão que actualmente utilizamos como combustível fóssil. Muito antes de os
dinossauros terem aparecido na Terra, já os aracnídeos proliferavam. Um dos
mais antigos terá sido o escorpião marinho Megarachne servinei, com
mais de meio metro de comprimento. Esta espécie esteve, durante mais de vinte
anos, erroneamente registada no livro de records do Guiness como a mais antiga e a maior
aranha de todos os tempos. No entanto, sabe-se desde 2004, que, afinal, não
era uma aranha mas um dos membros do grupo extinto de escorpiões marinhos (Eurypterida), a que terá
pertencido também um dos maiores artrópodes de todos os tempos, oJaekelopterus rhenaniae,
com cerca de 2,5 metros de comprimento.
Ao
que parece, não seria nada fácil viver nessas primeiras florestas onde os
fetos tinham porte arbóreo, com mais de 30 metros de altura e dois metros de
diâmetro, e os insectos e outros invertebrados eram dignos de enredos de
filmes de terror: escorpiões e centopeias com mais de dois metros de
comprimento (aproximadamente o tamanho de um cavalo) e libélulas com cerca de
75 centímetros de envergadura (qualquer coisa como a envergadura de um pombo
em voo).
Num mundo de gigantes, convinha estar à
altura da concorrência; porém, as aranhas nunca terão conseguido chegar
sequer aos calcanhares de outros artrópodes colossais com quem partilharam o
habitat. A maior aranha fossilizada já registada (Nephila jurassica), que viveu há cerca de
165 milhões de anos, não ia além de 5 cm de comprimento do corpo e 30 cm de
envergadura com as patas abertas. A sua pequenez, quando comparada com outros
artrópodes gigantes da pré-história, não a terá impedido, contudo, de
capturar presas de muito maior tamanho. Aliás, pensa-se que desde muito cedo
as aranhas terão começado a desenvolver as ardilosas técnicas de caça que
ainda hoje caracterizam este grupo de animais. Tal como os humanos, também as
aranhas não se medem aos palmos!
Com o passar do tempo, a selecção natural
encarregou-se de extinguir os artrópodes monstruosos do passado, os quais se
encontram apenas representados entre nós por espécies de dimensões bem mais
modestas. Curiosamente, as aranhas sofreram muito poucas alterações, e o record mundial vai hoje para a Heteropoda
maxima, que atinge os 30 cm de envergadura com as patas abertas e
cerca de 4,6 cm de comprimento do corpo.
Milhões
de olhos
Em ambientes favoráveis, as aranhas podem
ser muito mais abundantes do que aquilo que pensamos. Alguns estudos
concluíram que poderão existir cerca de cinco milhões por hectare de pastagem
(no livro Invertebrate Zoology,
publicado em 1994, estimaram-se 2.265.000 indivíduos por acre de terreno
inculto inglês). Só para se ter uma ideia do que significa este valor
astronómico, basta pensar que corresponde a metade da população portuguesa
(colocada num espaço equivalente a um estádio de futebol). Se pensarmos que a
maioria das espécies tem oito olhos (embora algumas apresentem apenas seis ou
mesmo nenhum, como acontece com as cavernícolas), num único hectare haverá
qualquer coisa como quarenta milhões de olhos de aranha!
Ao
contrário do que acontece com outros artrópodes, que possuem olhos compostos,
as aranhas têm apenas olhos simples e imóveis (também denominados “ocelos”),
que se situam geralmente na região cefálica. Atendendo ao seu número e
disposição, as aranhas gozam de uma visão panorâmica de aproximadamente 360
graus. Por isso, não é de estranhar que fujam com rapidez quando nos
aproximamos delas, muitas vezes antes mesmo de lhes termos posto a vista em
cima.
O
mais curioso é que muitas espécies possuem usualmente dois tipos de olhos: os
diurnos (escuros e geralmente mais proeminentes) e os nocturnos (brilhantes à
luz e geralmente pouco proeminentes). Algumas podem apresentar ainda olhos
especializados na detecção de movimento, na captação de luz polarizada ou na
interpretação do meio envolvente.
Os
aracnídeos têm um esqueleto externo rígido e possuem o corpo dividido em duas
partes: a anterior (prossoma), que resulta da fusão entre a cabeça e o tórax
e é revestida por uma carapaça bastante dura, e a posterior (opistossoma),
equivalente ao abdómen, que é normalmente mole e bolbosa.
No
prossoma, além dos olhos, encontram-se ainda seis pares de apêndices
articulados: as duas quelíceras, os dois pedipalpos e os quatro pares de
patas locomotoras. O opistossoma é muito variável de espécie para espécie,
tanto em forma como em tamanho e cor, sendo muitas vezes coberto por uma fina
camada de pêlos que lhe confere um aspecto aveludado. Os padrões
característicos são resultado da cor dos pêlos e da pigmentação do próprio
corpo. Na face ventral, encontram-se vulgarmente seis fieiras (embora o
número, tamanho e forma possam variar consoante a espécie) por onde sai a
seda produzida em glândulas especiais, chamadas “sericígenas”. É também na
zona ventral que se situam as aberturas respiratórias (que podem ser fendas
pulmonares, fendas traqueais e/ou um espiráculo) e a abertura genital.
As
quelíceras são utilizadas para segurar as presas durante o processo de
alimentação e para injectar o veneno nas vítimas, que poderão ser tão
diversificadas como a variedade de ambientes onde as aranhas vivem. Cada
espécie tem a sua própria dieta alimentar, embora os insectos sejam, para
quase todas, o prato principal. Porém, quando se trata de satisfazer a fome,
“tudo o que vem à rede é peixe”, desde pequenas centopeias até outras
aranhas.
Um
dos aspectos mais interessantes das aranhas, amplamente explorado pela ficção
científica, é o facto de possuírem digestão externa. Como explica Pedro
Cardoso, “uma vez imobilizada a presa, a aranha regurgita os sucos digestivos
que liquefazem os tecidos, podendo então absorver o líquido resultante”. Esta
falta de maneiras à mesa não tem ajudado muito a criar simpatia por estes
bichos.
Os
pedipalpos assemelham-se a pequenas patas e podem ser usados com diferentes
propósitos: para manuseamento, captura e mastigação das presas, para recolha
de objectos (pequenas pedras ou restos de presas), para a limpeza do corpo,
como apêndices sensoriais, para comunicação entre si (tanto através de sinais
visuais como sonoros) e para acasalamento. Nos machos adultos, estão
transformados, possuindo estruturas copulatórias que permitem a transferência
de esperma para as aberturas genitais femininas.
Mitos e lendas
O
simbolismo das aranhas tem estado presente em diferentes culturas e
civilizações, desde o antigo Egipto, onde eram consideradas portadoras de boa
sorte, até à Itália do século XIV, onde lhes foi imputado, erradamente, o
tarantulismo (doença nervosa que se julgava resultante da picada de
tarântula). Em Portugal, ainda nos nossos dias, cruzar-se com uma aranha é
sinal de fortuna e de felicidade. Porém, a ligação das aranhas com práticas
obscurantistas tem contribuído para acentuar o sentimento de repulsa e para
passar de geração em geração mitos, crenças e falsidades. A prová-lo estão
alguns provérbios populares: “quem não tem manha, morre no mar como a aranha”
ou “quando chupa a abelha, sai mel; quando é a aranha, sai peçonha”.
Interessante
é a forma como a mitologia grega atribui à deusa Atena a origem das aranhas.
Segundo reza a lenda, esta deusa terá ensinado a arte de tecer a uma bela
donzela de nome Aracne. A jovem aprendeu o ofício tão facilmente que das suas
mãos saíam, sem grande dificuldade, primorosos tecidos. Certo dia, teve o
atrevimento de confrontar a sua divina mestra com a confecção de uma
esplêndida tapeçaria que representava os amores e os vícios dos deuses.
Atena, enfurecida com a ousadia, rasgou a obra de arte, facto que terá levado
Aracne a suicidar-se. Arrependida com o sucedido, a deusa terá ressuscitado a
jovem, mas dando-lhe a forma de aranha, para que desse modo pudesse tecer a
seu gosto durante toda a vida.
As
habilidades das aranhas enquanto tecedeiras e as suas notáveis teias,
autênticas obras de arte e prodígios de arquitectura, são dos seus poucos
aspectos geralmente admirados. A construção das teias só é possível devido ao
facto de possuírem glândulas abdominais que produzem seda. A comunidade
científica julga que a produção de seda e a construção de teias é um processo
muito antigo. A comprová-lo parecem estar alguns fios de seda, a formar uma
pequena teia, com 140 milhões de anos, encontrados fossilizados em âmbar.
Os
fios de seda são utilizados pelas aranhas para vários fins: tecer as teias
através das quais capturam as presas; confeccionar os ninhos que servem de
abrigo aos seus ovos e à prole; envolver as presas, que após terem sido mortas
são guardadas para posterior consumo; e dispersar os juvenis, que se lançam
até novas paragens, ao sabor do vento, presos apenas por um longo fio de
seda.
Embora
todas as aranhas produzam seda, nem todas constroem teias. É o caso das
“aranhas buraqueiras”, que escavam túneis no solo e os revestem de seda,
tornando assim mais acolhedores os seus aposentos. A seda é formada por uma
proteína, a fibroína, que pode distender-se até 20 por cento do seu
comprimento original. É esta elasticidade que evita o rompimento das teias
quando são atingidas por insectos pesados e a grande velocidade.
As teias podem ir desde alguns centímetros
até vários metros de diâmetro (2,8 metros quadrados foi o máximo observado
até à data). A maior teia alguma vez encontrada media cerca de 25 metros de
comprimento (qualquer coisa como o tamanho de dois autocarros). Essa
verdadeira obra de arte foi tecida por uma Caerostris darwini (assim chamada em homenagem a
Darwin), descoberta em 2009, em Madagáscar. Curiosamente, apesar do tamanho descomunal
das armadilhas sedosas desta espécie, elas parecem servir unicamente para
capturar insectos como libélulas e efémeras.
A
maioria das aranhas constrói ninhos com seda (ainda que possam usar também
folhas, detritos e pedras), que servem para proteger a fêmea durante a
postura e para protecção dos ovos. Dependendo das espécies, o ninho
pode ser construído propositadamente para as posturas ou ser o mesmo refúgio
que a aranha utiliza durante todo o seu ciclo de vida.
Os
ovos, habitualmente esféricos e com menos de um milímetro de diâmetro, nunca
são depositados livremente no meio ambiente, mas sempre colocados em grupos
compactos envolvidos por seda, as chamadas “ootecas” (cada uma pode conter
entre dois e 2000 ovos). O facto de os ovos se encontrarem protegidos por
ootecas apresenta diversas vantagens. Como lembra Ricardo Silva, estas vão
desde a protecção oferecida contra predadores ou parasitas (uma vez que a
seda possui propriedades antibióticas que protegem os ovos de serem atacados
por fungos e bactérias), até à manutenção da humidade e da temperatura
adequadas ao desenvolvimento embrionário, diminuindo desse modo a dependência
das condições externas.
Até
à primeira muda, que ocorre ainda no ninho, as aranhas recém-nascidas
(incolores e sem pêlos) são incapazes de produzir seda e de procurar
alimento. Só após duas ou três mudas é que os juvenis se tornam semelhantes
aos adultos. Mesmo assim, ainda terão de passar por mais algumas mudas até
atingirem a maturidade sexual e estarem em condições de legar os seus genes
às gerações vindouras.
Aranhas portuguesas
“Por terras lusas, sabe-se muito pouco sobre
estes bichos.” Quem o afirma é Pedro Cardoso, investigador do Centro de
Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, um dos
poucos cientistas portugueses que têm dedicado a sua atenção a este curioso
grupo de animais. No seu currículo, constam alguns dos mais recentes livros e
artigos científicos sobre as aranhas que ocorrem no nosso país. Assina ainda
a autoria do Catálogo das Aranhas de Portugal.
Antes dele, apenas dois outros investigadores portugueses (Amélia Bacelar, da
Universidade de Lisboa, e António de Barros Machado, da Universidade do
Porto) se haviam dedicado de modo sistemático às pequenas aranhas
portuguesas.
Determinado em mudar o rumo das coisas,
tornando as aranhas e a aracnologia uma ciência do interesse público, está
também Ricardo Silva, um jovem biólogo da Universidade de Évora que se deixou
enamorar pelas aranhas por volta de 1997 e que acabou por torná-las a razão
de ser da sua vida profissional. Aliás, onde a maioria das pessoas vê
“monstros” e “animais repugnantes”, Ricardo encontra “beleza” e “curiosos
animais”, como comprova o seu louvável esforço de criação e manutenção do já
mencionado portal aranhas.info, criado em Dezembro de 2004, que se assume
como local de reunião da mais variada informação sobre as aranhas em
Portugal. Em torno desse sítio reúnem-se vários colaboradores que parecem
apostados em retirar estes seres do esquecimento a que têm sido votadas pela
comunidade científica. Com tanta informação disponível e tão belas
fotografias, que evidenciam alguns dos segredos destes animais, não é difícil
imaginar que o número de visitas não pare de aumentar e que sejam cada vez
mais os entusiastas e os naturalistas amadores a deixar-se cativar pelas
aranhas.
O crescente interesse por este grupo de
animais, contrastando com décadas de esquecimento, tem começado a dar os seus
frutos, uma vez que já são conhecidas em Portugal 746 espécies, de acordo com
o mais recente Catálogo de Pedro Cardoso. Segundo
Ricardo Silva, “este número aumenta todos os anos, o que mostra o quanto
ainda nos falta conhecer sobre o nosso património natural”.
Predadoras eficazes
As aranhas conquistaram os mais diversos
ambientes, espalhando-se praticamente por todos os recantos da Terra.
Imagine-se que até vivem debaixo de água, como é o caso da aranha-de-água (Argyroneta aquatica),
que ocorre na Europa Central e no Norte da Ásia. Os únicos locais onde parece
que ainda não chegaram são as regiões polares e o interior dos oceanos,
embora aí possam existir outros aracnídeos, como o caranguejo-ferradura (Limulus polyphemus),
considerado um fóssil vivo, uma vez que permanece quase inalterado desde há
300 milhões de anos. Com a ocupação de habitats tão diversificados e uma tão
larga dispersão geográfica, não admira que sejam, actualmente, mais de 38 mil
as espécies conhecidas.
Todas
são predadoras, alimentando-se sobretudo de insectos e outros invertebrados,
embora as maiores cheguem a capturar aves, lagartos e até pequenos mamíferos.
O macho é, regra geral, muito mais pequeno do que a fêmea, e durante o
acasalamento executa ritos nupciais de modo a assegurar o seu reconhecimento
pela companheira. Estes cuidados são mais do que justificados, pois o
canibalismo é frequente após a cópula e, como se imagina, o macho é
habitualmente o acepipe.
As migalas, também conhecidas por
tarântulas, aranhas-babuínos e aranhas-felpudas, rivalizam em tamanho com os
maiores invertebrados terrestres vivos. Algumas têm o corpo com cerca de oito
centímetros e as patas com uma envergadura de mais de vinte. Segundo o livro
de records do Guiness,
a maior aranha da actualidade foi encontrada na Venezuela, em Abril de 1995,
e pertence à espécie Theraphosa blondi.
Tratava-se de um bicho de deixar arrepiado até o mais destemido naturalista,
uma vez que pesava cerca de 170 gramas (também é a aranha mais pesada do
mundo!) e media 28 centímetros de envergadura, bem maior do que o tamanho de
um prato (dos grandes). Por cá, as dimensões das aranhas são bastante
mais modestas, podendo as maiores atingir no máximo três centímetros (Lycosa narbonensis) e as
mais pequenas apenas dois a três milímetros (pertencentes à famíliaDictynidae).
No
que concerne à longevidade, conhecem-se aranhas sazonais (ciclo de vida com
duração de seis a oito meses), aranhas anuais (ciclo de vida que dura cerca
de um ano) e aranhas perenes, em que o ciclo biológico dura vários anos,
geralmente entre dois e cinco. Ainda que possamos encontrar aranhas durante
todo o ano, o ciclo de vida das espécies europeias é, em geral, anual ou
bianual, dependendo da espécie e das condições ambientais. No entanto, na
América conhecem-se espécies que podem viver mais de vinte anos.
Apesar de as detestarmos, as aranhas
continuam a prestar-nos um inestimável serviço devido à enorme quantidade de
insectos prejudiciais que eliminam. Agora que a aracnologia em Portugal
parece querer dar os primeiros passos, não faltam motivos de interesse e
todos os dias o conhecimento das aranhas lusitanas vai aumentando. Ainda
recentemente, foi descoberta no nosso país uma nova espécie de aranha (Xysticus grallator).
Segundo Ricardo Silva, “muito poucos exemplares foram encontrados até hoje e
pouco se sabe sobre a biologia desta espécie que nunca tinha sido detectada
em Portugal e só se conhecia em seis localidades em todo o mundo”.
J.N.
Picadas inofensivas
Apesar de quase todas as aranhas produzirem
venenos neurotóxicos (que afectam o sistema nervoso) e necrosantes (que matam
as células), a esmagadora maioria das espécies europeias não possui
quelíceras (agulhas de veneno) suficientemente robustas para perfurar a pele
humana. Por essa razão, “apenas uma ínfima parte das aranhas documentadas em
Portugal podem apresentar perigo”, confirma Pedro Cardoso, que refere ainda
que as excepções são “a viúva-negra mediterrânica (Lathrodectus tredecimguttatus)
e a aranha-violino (Loxosceles
rufescens)”, duas espécies relativamente comuns no nosso país.
Segundo Ricardo Silva, a esta lista poderiam ainda juntar-se mais duas ou
três aranhas com ocorrência em Portugal. No entanto, o facto de não serem
espécies agressivas e de as suas picadas serem extremamente raras e não irem
além de uma dor passageira dispensa referência. As informações que se seguem
pretendem ser apenas um esclarecimento para perigos que são, na verdade,
bastante remotos, não tendo como finalidade assustar as pessoas.
A
viúva-negra, que herdou o seu nome do facto de matar o macho após a cópula, é
uma pequena aranha, com pouco mais de um centímetro de comprimento, que
apresenta uma carapaça negra brilhante ou avermelhada de onde se destacam,
habitualmente, treze manchas vermelhas. Julga-se que poderá existir por todo
o país, em lugares secos e ensolarados, com solos pedregosos ou de vegetação
rasteira e escassa. Só a fêmea parece ser perigosa para o homem, e a
gravidade da sua picada varia com a estação do ano e com a sensibilidade da
vítima. Consideram-se casos mais graves, e por isso dignos de atenção
especial, as picadas em crianças com menos de 15 quilos de peso, doentes
coronários ou com hipertensão grave e mulheres grávidas.
A
picada desta aranha pode quase não ser sentida, embora na maioria dos casos
exista alguma dor localizada e se notem dois pontos vermelhos na zona do
edema. Dez a quinze minutos após a picada, aparecem os primeiros sintomas,
essencialmente neurotóxicos: agitação, abrandamento das frequências cardíaca
e respiratória, cãibras musculares generalizadas, suores abundantes e hipersalivação.
O tratamento consiste no repouso absoluto e na administração de analgésicos
(a colocação de um cubo de gelo sobre o local da picada permite aliviar a
dor). Todas as vítimas deverão ser conduzidas à presença de um médico o mais
rapidamente possível. Em 95 por cento dos casos, os vitimados começam a
recuperar no dia seguinte, acabando por curar-se em um ou dois dias.
A
aranha-violino é responsável pela maioria das picadas tanto em Portugal como
em Espanha, uma vez que habita geralmente em nossas casas, mais precisamente
na parte posterior dos móveis. Trata-se de uma pequena aranha castanha cujo
veneno citotóxico provoca necrose localizada dos tecidos. Na zona da picada,
surge geralmente um edema local que, após um a dois dias, apresenta uma placa
violácea com áreas hemorrágicas que acaba por evoluir para a morte dos
tecidos. Como tratamento, sugere-se inicialmente uma cuidadosa limpeza da
zona picada, a que se poderá seguir a aplicação de gelo e o posterior
acompanhamento médico.
Num artigo publicado, em 2010, na Acta
Médica Portuguesa, Pedro Cardoso e Paulo Almeida alertaram para o
facto de as aranhas referidas acima poderem ser confundidas com espécies
bastante mais comuns e inofensivas (Steatoda
spp. e Pholcus
spp., respectivamente), o que dificulta a identificação por
não-especialistas. Acrescentaram ainda que o diagnóstico correcto de
envenenamento por aranha deve passar sempre por uma série de passos: (1)
confirmação ou observação do acto da mordedura, com verificação de sinais
clínicos compatíveis com esta; (2) a aranha deve ser capturada imediatamente
ou a seguir ao acto, morta ou viva; (3) identificação da aranha por um
taxonomista. Terminavam o trabalho com um alerta à comunidade médica: “Na
realidade, dada a sua raridade, as lesões por mordedura de aranha deveriam
ser relegadas para o fim da lista do diagnóstico diferencial das lesões
necróticas cutâneas.” Como se vê, a não ser que se sofra de aracnofobia, não
vale a pena perder o sono por causa das picadas destes bichos.
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Fonte: Super interessante – Setembro 2011