Inúmeras criaturas terrestres, por se sentirem mais seguras ou sem
competição, escolheram os ambientes mais extremos do planeta para viver, das
águas em ebulição ao gelo glacial.
Os seres humanos sentem predilecção por determinados ambientes naturais.
Gordon Orians, um conhecido ecologista da Universidade de Washington, descreveu
deste modo o cenário onde a maior parte das pessoas gostaria de construir uma
casa: num lugar elevado, próximo de um lago ou do mar, rodeado por um terreno
semelhante a um parque. Grande parte do nosso planeta não é assim tão idílico;
apesar disso múltiplos organismos conseguem povoar meios bastante adversos,
muito distantes do nosso conceito de bem-estar.
Situadas nas cristas oceânicas, a mais de 2 quilómetros de profundidade e
perto de zonas vulcânicas activas, as chaminés hidrotermais constituem um dos
mais estranhos ambientes marinhos. Emanam compostos tóxicos, como ácido
sulfúrico, a temperaturas que rondam os 400 °C. Nestes sinistros locais, onde
reina a obscuridade e a pressão poderia esmagar um elefante, mora um dos
animais mais resistentes ao calor, o verme poliqueta Alvinella pompejana. No interior dos túneis próximos das chaminés
que habita, a extremidade da sua cauda suporta até 80 °C. Entretanto, a cabeça, que
sobressai do tubo que a abriga, encontra-se a 22 °C. O segredo para a espantosa
artimanha poderá residir na miríade de bactérias que revestem a parte dorsal do
verme, com as quais mantém uma simbiótica e transcendente união. Esses
microorganismos sintetizam, aparentemente, proteínas que funcionam como
isolador térmico.
Formigas oportunistas. Arma térmica. As formigas Cataglyphis bicolor esperam que as altas temperaturas deixem as presas fora de combate e depois atacam-nas. [foto]
Alguns
enclaves da superfície terrestre podem revelar-se igualmente insuportáveis. O
meio-dia no deserto do Sahara parece a antecâmara do inferno. A fauna procura
resguardar-se, mas, frequentemente, o calor torna-se letal para muitos insectos
que não conseguiram encontrar abrigo. É precisamente a oportunidade aguardada
pelas formigas do género Cataglyphis, que enchem a despensa com os cadáveres
espalhados pela areia. Algumas espécies como a C. bicolor e a C. bombycina,
podem resistir a temperaturas superiores a 50 °C. Esta proeza torna-se possível
porque as formigas, antes de deixarem o ninho, produzem uma elevada
concentração de um tipo de proteínas que protegem o insecto do choque térmico e
evitam que outros prótidos e as membranas celulares sejam afectados. Através
deste sistema interno de antecipação, as Cataglyphis sobrevivem ao calor
extremo durante um breve lapso de tempo. Além disso, nos seus trajectos,
procuram que apenas 4 das 6 patas entrem em contacto com o chão.
Frescos. Os vermes de pompeia, que chegam a
atingir 13cm de comprimento habitam estruturas submarinas banhadas de gases
nocivos e a temperaturas de 80°C. [foto]
Porém, o
nosso mundo é um lugar maioritariamente frio; mais de 80% dos habitantes
encontram-se a menos de 5 °C. Abaixo dessa temperatura, as enzimas, os
catalisadores biológicos que tornam possível toda a química da vida começam a
trabalhar muito devagar, o que torna mais lentos os processos metabólicos. A
situação é pior quando a temperatura desce aos 0 °C ou menos, isto é, quando a
água começa a transformar-se em gelo. Dado que os seres vivos contêm uma grande
quantidade do líquido no corpo, qualquer organismo que não esteja protegido
corre o risco de congelar e morrer quando as temperaturas descem abaixo desse
limite, pois a formação de gelo no interior dos tecidos altera profundamente o
seu funcionamento e pode mesmo causar danos nas estruturas celulares. Só para radicais. A milhares de metros de
profundidade, as fontes hidrotermais sustentam um ecossistema formado por
bactérias, vermes, anémonas e crustáceos, que partilham um ambiente tóxico, sem
luz e que chega a atingir uma enorme pressão.
Nem vestígio de água
Apesar de
tudo, há animais que conseguem habitar lugares ultragélidos; de facto, durante o
Inverno, alguns congelam de forma controlada para evitar que a perda de água
nas células seja excessiva quando se forma gelo em seu redor. Para isso,
sintetizam elevados níveis de substâncias crioprotetoras: açúcares ou glicóis
que controlam a diminuição da água celular. Durante o processo, os órgãos
vitais não podem gelar: encontram-se protegidos por entes proteicos que
impedem, fundamentalmente, o aparecimento de micro agulhas de gelo. Recorrem a
esse mecanismo crioprotetor alguns répteis e anfíbios, como a rã-dos-bosques (Rana sylvatica), a pequena
rã-arbórea-cinzenta (Hyla versicolor) e
a tartaruga-pintada (Chrisemis picta), que conseguem sobreviver
a uma temperatura de 3°C negativos nos gélidos invernos da américa do Norte.
Os insectos
também são difíceis de roer e alguns suportam bem o frio. Por exemplo, a barata-alpina
da Nova Zelândia (Celatoblatta
quinquemaculata) pode mesmo aguentar temperaturas de -10°C, quando 75% do
seu corpo se torna practicamente um bloco de gelo. O lepidóptero Gynaephora groenlandica, da ilha de
Ellesmere, no Canadá, constitui um exemplo extremo dessa aptidão, pois passa
90% da sua existência como se fosse um frango congelado, a -70°C. Possui apenas
um período de actividade no mês de Junho, pausa que aproveita para se
alimentar.
Não há dúvida
que a água é um dos recursos mais valiosos. A nossa civilização não poderia
subsistir sem o elemento líquido e constitui, de igual modo, um bem inegociável
para os restantes seres vivos. As células necessitam de água como meio tanto
para as reacções químicas fundamentais como para manter intactas as suas
membranas. O que acontece, porém, quando se torna escassa?
Em épocas de seca, a robusta rã-touro africana
(Pyxicephalus adspersus), que chega a
pesar dois quilos, opta por escavar um buraco e esperar por tempos melhores. [foto]
Ali permanece, em estado letárgico, até chegarem
as chuvas, envolta numa substância mucilaginosa que segrega e a protege da
desidratação. Uma
táctica semelhante é adoptada pelo peixe pulmonado africano Protopterus dolloi, que se afunda no
lodo durante o estio. Sobrevive encapsulado num molde de mucosidade desidratada
e com o metabolismo 60 vezes mais lento.
Uma amêijoa
invejável
Os
organismos podem adaptar-se às condições mais extremas, mas nenhum escapa ao
destino final, a morte. Porém, numa tentativa para adiar o inevitável, alguns
animais exibem uma surpreendente longevidade. O matusalém mais idoso que se
conhece é um humilde molusco denominado amêijoa-da-islândia, Árctica islandica. Um exemplar
encontrado em águas próximas da costa setentrional do país que lhe dá nome
ultrapassava os 400 anos. Os investigadores da Faculdade de Ciências Oceânicas
da Universidade de Bangor (Reino Unido) que descobriram a amêijoa calcularam a
sua idade com base nas linhas de crescimento das valvas, mais ou menos como um
especialista em dendrocronologia faria com os anéis de uma árvore. Alguns
estudos indicam que a sua quase imperceptível senescência se deve a uma
complexa combinação de antioxidantes químicos que o metabolismo do molusco
segrega. Nesta competição com a morte biológica, as bactérias parecem ser os
organismos mais afortunados. Espécimes extraídos do permafrost próximo do rio siberiano Khomus-yuryakh mantinham-se vivos
passados 500 mil anos, devido a um metabolismo híper-lento e a uma capacidade
excepcional para reparar o seu ADN. Parece difícil de ultrapassar, mas no
entanto, essa aptidão pode ser comparada com a do hidrozoário Turritopsis nutricola. Na etapa adulta
solitária e sexualmente madura, esta alforreca pode reverter a um estado de pólipo
colonial e reiniciar o seu ciclo vital. Ao fim de algum tempo desenvolve-se
outra alforreca. Em teoria, consegue reproduzir o processo indefinidamente, o
que a transforma em imortal, desde que não se atravesse no caminho de um
predador nem seja vítima de doença. No outro lado da balança, encontramos
organismos que têm uma existência muito breve e são obrigados a deixar descendência
antes da sua iminente partida. É o caso de alguns insectos efemerópteros, que
perduram poucos dias na fase adulta. Com efeito, não costumam viver mais de 48
horas, e a maior parte não possui elementos funcionais na boca, pois nem sequer
terá necessidade de se alimentar. Dois dias de sobrevivência como adulto parece
uma forma extrema de existência, mas é muito tempo quando se compara com a
brevidade existencial da fêmea da mosca-de-maio, Dolania americana. A fêmea vive menos de 5 minutos e, nesse curto
suspiro, tem de escolher um parceiro masculino, acasalar e por ovos, a fim de
assegurar a futura prole. A vida é um conquistador incansável perante as condições
ambientais mais adversas. Quando se trata de sobreviver, recorre a múltiplas e insólitas
estratégias. Em certas ocasiões, diferentes organismos desenvolvem entre si
sofisticadas relações simbióticas. Noutros casos, as criaturas dispõem de uma
panóplia bioquímica no seu metabolismo que a ajuda a ultrapassar situações que
seriam fatais para os seres humanos. Algumas chegam desafiar a morte com a sua
dinâmica vital. Muitos organismos exibem inventos naturais que lhe permitem
refrigerar-se ou aquecer-se, suportar pressões extremas e, no caso de certos
microrganismos, enfrentar as radiações e o vácuo do espaço exterior. Contribuem
todos para atribuir um significado mais vasto ao que é geralmente entendido por
“ser vivo”.
Super 164 – Dezembro 2011
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