sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Extremófilos – Testar os limites


Inúmeras criaturas terrestres, por se sentirem mais seguras ou sem competição, escolheram os ambientes mais extremos do planeta para viver, das águas em ebulição ao gelo glacial.
Os seres humanos sentem predilecção por determinados ambientes naturais. Gordon Orians, um conhecido ecologista da Universidade de Washington, descreveu deste modo o cenário onde a maior parte das pessoas gostaria de construir uma casa: num lugar elevado, próximo de um lago ou do mar, rodeado por um terreno semelhante a um parque. Grande parte do nosso planeta não é assim tão idílico; apesar disso múltiplos organismos conseguem povoar meios bastante adversos, muito distantes do nosso conceito de bem-estar.
Situadas nas cristas oceânicas, a mais de 2 quilómetros de profundidade e perto de zonas vulcânicas activas, as chaminés hidrotermais constituem um dos mais estranhos ambientes marinhos. Emanam compostos tóxicos, como ácido sulfúrico, a temperaturas que rondam os 400 °C. Nestes sinistros locais, onde reina a obscuridade e a pressão poderia esmagar um elefante, mora um dos animais mais resistentes ao calor, o verme poliqueta Alvinella pompejana. No interior dos túneis próximos das chaminés que habita, a extremidade da sua cauda suporta até 80 °C. Entretanto, a cabeça, que sobressai do tubo que a abriga, encontra-se a 22 °C. O segredo para a espantosa artimanha poderá residir na miríade de bactérias que revestem a parte dorsal do verme, com as quais mantém uma simbiótica e transcendente união. Esses microorganismos sintetizam, aparentemente, proteínas que funcionam como isolador térmico.
Formigas oportunistas. Arma térmica. As formigas Cataglyphis bicolor esperam que as altas temperaturas deixem as presas fora de combate e depois atacam-nas. [foto]
Alguns enclaves da superfície terrestre podem revelar-se igualmente insuportáveis. O meio-dia no deserto do Sahara parece a antecâmara do inferno. A fauna procura resguardar-se, mas, frequentemente, o calor torna-se letal para muitos insectos que não conseguiram encontrar abrigo. É precisamente a oportunidade aguardada pelas formigas do género Cataglyphis, que enchem a despensa com os cadáveres espalhados pela areia. Algumas espécies como a C. bicolor e a C. bombycina, podem resistir a temperaturas superiores a 50 °C. Esta proeza torna-se possível porque as formigas, antes de deixarem o ninho, produzem uma elevada concentração de um tipo de proteínas que protegem o insecto do choque térmico e evitam que outros prótidos e as membranas celulares sejam afectados. Através deste sistema interno de antecipação, as Cataglyphis sobrevivem ao calor extremo durante um breve lapso de tempo. Além disso, nos seus trajectos, procuram que apenas 4 das 6 patas entrem em contacto com o chão.
Frescos. Os vermes de pompeia, que chegam a atingir 13cm de comprimento habitam estruturas submarinas banhadas de gases nocivos e a temperaturas de 80°C. [foto]
Porém, o nosso mundo é um lugar maioritariamente frio; mais de 80% dos habitantes encontram-se a menos de 5 °C. Abaixo dessa temperatura, as enzimas, os catalisadores biológicos que tornam possível toda a química da vida começam a trabalhar muito devagar, o que torna mais lentos os processos metabólicos. A situação é pior quando a temperatura desce aos 0 °C ou menos, isto é, quando a água começa a transformar-se em gelo. Dado que os seres vivos contêm uma grande quantidade do líquido no corpo, qualquer organismo que não esteja protegido corre o risco de congelar e morrer quando as temperaturas descem abaixo desse limite, pois a formação de gelo no interior dos tecidos altera profundamente o seu funcionamento e pode mesmo causar danos nas estruturas celulares. Só para radicais. A milhares de metros de profundidade, as fontes hidrotermais sustentam um ecossistema formado por bactérias, vermes, anémonas e crustáceos, que partilham um ambiente tóxico, sem luz e que chega a atingir uma enorme pressão. 
Nem vestígio de água
Apesar de tudo, há animais que conseguem habitar lugares ultragélidos; de facto, durante o Inverno, alguns congelam de forma controlada para evitar que a perda de água nas células seja excessiva quando se forma gelo em seu redor. Para isso, sintetizam elevados níveis de substâncias crioprotetoras: açúcares ou glicóis que controlam a diminuição da água celular. Durante o processo, os órgãos vitais não podem gelar: encontram-se protegidos por entes proteicos que impedem, fundamentalmente, o aparecimento de micro agulhas de gelo. Recorrem a esse mecanismo crioprotetor alguns répteis e anfíbios, como a rã-dos-bosques (Rana sylvatica), a pequena rã-arbórea-cinzenta (Hyla versicolor) e a tartaruga-pintada (Chrisemis picta), que conseguem sobreviver a uma temperatura de 3°C negativos nos gélidos invernos da américa do Norte.
Os insectos também são difíceis de roer e alguns suportam bem o frio. Por exemplo, a barata-alpina da Nova Zelândia (Celatoblatta quinquemaculata) pode mesmo aguentar temperaturas de -10°C, quando 75% do seu corpo se torna practicamente um bloco de gelo. O lepidóptero Gynaephora groenlandica, da ilha de Ellesmere, no Canadá, constitui um exemplo extremo dessa aptidão, pois passa 90% da sua existência como se fosse um frango congelado, a -70°C. Possui apenas um período de actividade no mês de Junho, pausa que aproveita para se alimentar.
Não há dúvida que a água é um dos recursos mais valiosos. A nossa civilização não poderia subsistir sem o elemento líquido e constitui, de igual modo, um bem inegociável para os restantes seres vivos. As células necessitam de água como meio tanto para as reacções químicas fundamentais como para manter intactas as suas membranas. O que acontece, porém, quando se torna escassa?
Em épocas de seca, a robusta rã-touro africana (Pyxicephalus adspersus), que chega a pesar dois quilos, opta por escavar um buraco e esperar por tempos melhores. [foto]
Ali permanece, em estado letárgico, até chegarem as chuvas, envolta numa substância mucilaginosa que segrega e a protege da desidratação. Uma táctica semelhante é adoptada pelo peixe pulmonado africano Protopterus dolloi, que se afunda no lodo durante o estio. Sobrevive encapsulado num molde de mucosidade desidratada e com o metabolismo 60 vezes mais lento.
Uma amêijoa invejável
Os organismos podem adaptar-se às condições mais extremas, mas nenhum escapa ao destino final, a morte. Porém, numa tentativa para adiar o inevitável, alguns animais exibem uma surpreendente longevidade. O matusalém mais idoso que se conhece é um humilde molusco denominado amêijoa-da-islândia, Árctica islandica. Um exemplar encontrado em águas próximas da costa setentrional do país que lhe dá nome ultrapassava os 400 anos. Os investigadores da Faculdade de Ciências Oceânicas da Universidade de Bangor (Reino Unido) que descobriram a amêijoa calcularam a sua idade com base nas linhas de crescimento das valvas, mais ou menos como um especialista em dendrocronologia faria com os anéis de uma árvore. Alguns estudos indicam que a sua quase imperceptível senescência se deve a uma complexa combinação de antioxidantes químicos que o metabolismo do molusco segrega. Nesta competição com a morte biológica, as bactérias parecem ser os organismos mais afortunados. Espécimes extraídos do permafrost próximo do rio siberiano Khomus-yuryakh mantinham-se vivos passados 500 mil anos, devido a um metabolismo híper-lento e a uma capacidade excepcional para reparar o seu ADN. Parece difícil de ultrapassar, mas no entanto, essa aptidão pode ser comparada com a do hidrozoário Turritopsis nutricola. Na etapa adulta solitária e sexualmente madura, esta alforreca pode reverter a um estado de pólipo colonial e reiniciar o seu ciclo vital. Ao fim de algum tempo desenvolve-se outra alforreca. Em teoria, consegue reproduzir o processo indefinidamente, o que a transforma em imortal, desde que não se atravesse no caminho de um predador nem seja vítima de doença. No outro lado da balança, encontramos organismos que têm uma existência muito breve e são obrigados a deixar descendência antes da sua iminente partida. É o caso de alguns insectos efemerópteros, que perduram poucos dias na fase adulta. Com efeito, não costumam viver mais de 48 horas, e a maior parte não possui elementos funcionais na boca, pois nem sequer terá necessidade de se alimentar. Dois dias de sobrevivência como adulto parece uma forma extrema de existência, mas é muito tempo quando se compara com a brevidade existencial da fêmea da mosca-de-maio, Dolania americana. A fêmea vive menos de 5 minutos e, nesse curto suspiro, tem de escolher um parceiro masculino, acasalar e por ovos, a fim de assegurar a futura prole. A vida é um conquistador incansável perante as condições ambientais mais adversas. Quando se trata de sobreviver, recorre a múltiplas e insólitas estratégias. Em certas ocasiões, diferentes organismos desenvolvem entre si sofisticadas relações simbióticas. Noutros casos, as criaturas dispõem de uma panóplia bioquímica no seu metabolismo que a ajuda a ultrapassar situações que seriam fatais para os seres humanos. Algumas chegam desafiar a morte com a sua dinâmica vital. Muitos organismos exibem inventos naturais que lhe permitem refrigerar-se ou aquecer-se, suportar pressões extremas e, no caso de certos microrganismos, enfrentar as radiações e o vácuo do espaço exterior. Contribuem todos para atribuir um significado mais vasto ao que é geralmente entendido por “ser vivo”.
Super 164 – Dezembro 2011

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