segunda-feira, 1 de abril de 2013

Será possivel viver sem fósforo?



Arsénico que dá vida.
Uma bactéria aproveita este elemento tóxico como combustível celular, algo que se pensava ser impossível. A polémica descoberta colocou a autora, a microbióloga Felisa Wolf-Simon, no centro de um aceso debate.
Em 2009, Felisa Wolfe-Simon, uma microbióloga norte-americana com uma bolsa de investigação concedida pela NASA, retirou amostras de lodo do fundo do lago Mono, na Califórnia. Este possui uma elevada concentração de minerais e é 2,5 vezes mais salgado do que a água do mar, pois não tem qualquer saída por onde fluir. A investigadora colocou as amostras em tubos de ensaio com uma solução de arsénico, substância que se pode tornar muito tóxica, e aguardou que bactérias crescessem nesse meio. Durante meses, repetiu o processo, aumentando a quantidade de arsénico de forma paulatina, até que obteve uma estirpe que não só o tolerava como podia incorporá-lo nos seus processos vitais e utilizá-lo como substituto do fósforo.
A noticia, de extrema importância pelas suas implicações, nomeadamente para a astrobiologia, correu o mundo em Dzembro de 2010. O que esta bactéria, denominada GFAJ-1, parece conseguir é tão milagroso como seria o facto de um ser humano poder respirar normalmente numa câmara com monóxido de carbono. Do ponto de vista molecular, o arsénico é muito semelhante ao fósforo. É por isso que é tão venenoso: as células aceitam-no e, de seguida, são mortas. Todavia, o microrganismo não só é imune ao agente tóxico como chega a utilizá-lo para se construir a si próprio.
Durante uma conferência de imprensa muito criticada pela comunidade científica, a NASA anunciou que poderia tratar-se de uma nova e exótica forma de vida. Vários especialistas, em especial a microbióloga Rosie Redfield, da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), foram de opinião que a experiência apresentava deficiências. Sugeriram, basicamente, que o ADN do micróbio não fora bem “lavado” e que, por conseguinte, como escreveu o jornalista Carl Zimmer na revista Slate, as moléculas de arsénico tinham-se “colado como uma pastilha elástica a um sapato”. A imprensa especializada também censurou a NASA pela dose de sensacionalismo que impregnava a notícia, pois quase levava a crer que se tinha descoberto um ser alienígena.
“Embora os resultados do trabalho de Wolfe-Simon sejam assombrosos e lancem uma nova luz sobre a procura de vida em ambientes extremos – incluindo meios extraterrestres -, a verdade é que não mostram uma nova forma de vida ou representam um grande passo em frente”, afirmava a revista Discover. Paralelamente, a notícia “incendiou” as redes sociais, que se transformaram em centros de debate onde qualquer cidadão podia comentar a descoberta ou mesmo atacar a sua autora.
Avalancha na internet. Para a jovem microbióloga, a experiência tornou-se um pesadelo, embora lhe tenha aberto os olhos para as subtilezas da comunicação científica. “Só coloquei um breve poster no Twitter, mas aprendi que a internet dá voz a coisas que não se podem antecipar. Inundaram-me de perguntas e mensagens de correio eletrónico; todos pediam uma resposta imediata. Foi muito rápido”, explica Felisa. “Creio que não estávamos preparados para lidar com a celeridade e as especulações dos meios de comunicação nas novas plataformas da internet. Pensávamos que as nossas descobertas iam provocar um debate científico, mas não previmos esta reação. Estava pronta para comunicar a minha paixão por entender os princípios fundamentais da natureza, não para descrever o estudo como algo de definitivo. Na realidade, ainda temos um longo caminho a percorrer.”
Depois de se negar a falar com a imprensa durante algum tempo, Wolfe-Simon resolveu rebater as críticas, numa entrevista concedida à Science, em especial a que assegurava que o ADN do micróbio não fora convenientemente descontaminado. “Pegámos nas células para as separar por centrifugação e lavá-las minuciosamente. Seguimos o protocolo padrão para extração do ADN, que inclui eliminar todas as impurezas, incluindo qualquer vestígio de arsénico […]. A fracção de ADN utilizada para efetuar as análises suplementares e outros processos, como a reação em cadeia da polimerase [técnica usada para copiar fragmentos de ADN], exige material genético com um elevado grau de purificação, pelo que, se houvesse qualquer contaminante, teria surgido um problema. Por conseguinte, não acreditamos que essa questão possa ser motivo de preocupação.”
De facto, a microbióloga está disposta a partilhar as suas amostras com outros colegas: “Embora o nosso laboratório não tenha, neste momento, capacidade para produzir e enviar grandes quantidades de células, é um dos nossos objetivos. Recebemos muitos pedidos, e estamos empenhados”, diz Felisa, acrescentando que, ao contrário do que outros especialistas afirmaram, não é fácil trabalhar com as GFAJ-1. “São esponjosas e macias; são diferentes. Quando experimentamos aplicar-lhes diversas técnicas, acrescentamos mais peças ao quebra-cabeças, o que irá, sem dúvida, suscitar novas interrogações”, explicou na Science.
Pouco depois da divulgação da descoberta de Wolf-Simon, Rose Redfield anunciou na mesma revista norte-americana que iria tentar reproduzir o trabalho e que tencionava anúnciar os resultados, passo a passo, à vista de todos, no seu blogue. Embora a bactéria, até agora, não tenha conseguido sobreviver na presença de arsénico, os especialistas afirmam que ainda é muito cedo para concluir que a investigação original não tem fundamento.
No entanto, o que ainda incomoda Wolfe-Simon é o tom pessoal de algumas críticas.
“Aborrecem-me porque trabalhei arduamente neste projecto”, assinala. “Apesar de tudo, estou fascinada com o interesse que o assunto despertou. Creio que os meios de comunicação são uma parte importante do processo. Não queremos ser evasivos. Apenas necessitamos de tempo para pensar.”
Super 164 – Dezembro 2011
 

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