sábado, 24 de agosto de 2013

Orangotangos do Bornéu

A última escolha
São os maiores mamíferos arbóreos do planeta. Conhecidos como “homens da floresta” (do indonésio e malaio orang, “pessoa”, e hutan, “floresta”), os orangotangos foram incluídos na mesma família taxonómica da espécie humana (Hominidae) e são os últimos grandes símios hominóides presentes na Ásia. Têm também uma “profissão”: são agricultores. Os frutos constituem mais de 60 por cento da sua diversificada dieta, formada por mais 500 espécies de plantas diferentes (das quais consomem também flores, folhas, rebentos e casca) e ainda alguns insectos. Nas suas deslocações diárias, a uma altura de 6 a 10 metros na copa das árvores, estes primatas de pelagem ruiva, ar bonacheirão e reconhecida inteligência dispersam o pólen e as sementes destas plantas pelos seus territórios individuais, que cobrem centenas a milhares de hectares de floresta, contribuinso assim para o equilibrio da flora e da fauna do seu ecossistema, um dos mais ricos em biodiversidade do mundo. (!)
No entanto, a gigantesca conversão das suas florestas nativas em plantações, especialmente o óleo de palma (Elaeis guineensis), que se verificou nas recentes décadas, resultou no desaparecimento e fragmentação de grande parte do seu habitat. Trouxe ainda outras formas de pressão humana, como a caça para consumo da sua carne, a venda das crias no comércio de animais de estimação (ilegal, mas intenso e continuado) e o abate generalizado por serem considerados uma ameaça às culturas agrícolas.
De acordo com as estimativas mais recentes, 2004, a população de orangotango de Samatra (Pongo abelii) ainda existente conta apenas com perto de 7300 indivíduos presentes numa área total de floresta de 20552 quilómetros quadrados, da qual menos de metade se situa abaixo dos mil metros de altitude e consegue albergar populações permanentes. O orangotango do Bornéu (Pongo pygmaeus), por sua vez, tem a população total estimada em 45 a 69 mil indivíduos, ou seja, o equivalente ao número de habitantes das cidades de Évora e Aveiro, numa área total de habitat adequado, mas altamente fragmentado, próxima de Portugal continental.
Além de serem o único território nativo dos orangotangos, a Indonésia e a Malásia são também os maiores produtores de óleo de palma do mundo. Não é por acaso que investem na gordura vegetal desta palmeira africana, também conhecida como dendezeiro ou dendém. Cerca de metade dos produtos embalados que encontramos hoje nos supermercados, desde géneros alimentares á cosmética, comtém óleo de palma. Considerado também um percursor interessante para o biodiesel (embora menos “verde” do que parece), a sua importância não se esgota no nível macroeconómico: as famílias e os pequenos produtores locais reconhecem no óleo de palma a possibilidade da melhoria da sua qualidade de vida e a opção de escolaridade para os seus filhos, criando uma enorme pressão sobre as florestas naturais.
Foi precisamente para defender a produção sustentável de óleo de palma e os valiosos ecossistemas  que têm desaparecido a um ritmo assustador, na região, que a World Wildlife Found (WWF) ajudou a criar, em 2004, a Round-table on Sustainable Palm Oil (RSPO). Esta organização de visão mundial e empenho local junta produtores, processadores, vendedores, retalhistas, investidores e entidades bancárias, ONGs ambientais e de desenvolvimento, entidades governamentais e consumidores de bens manufaturados, com o objectivo de promover boas práticas de produção de óleo de palma e sua certificação.
Em 2008, a RSPO apenas podia contar com 17 fábricas certificadas em dois países, a Malásia e a Papuásia-Nova Guiné, mas reúne agora 29 empresas produtoras e 135 fábricas de seis nacionalidades: Brasil, Colômbia, Ilhas Salomão, Indonésia, Malásia e a Papuásia-Nova Guiné. A entrada destes novos parceiros traduziu-se num aumento de volume certificado de vendas de óleo de palma de 350 mil toneladas, em 2009, para 2,5 milhões de toneladas, em 2011. A MacDonald´s aderiu também a esta organização, em 2011, tal como já haviam feito outras grandes empresas como a Walmart e a Citigroup. Boas notícias, tendo em conta o volume deste óleo que é consumido anualmente na fritura de batatas e McNuggets nas múltiplas sucursais MacDonald´s das regiões da Ásia-Pacífico, do Médio Oriente, de África e da América Latina.
Para outras organizações de conservação, como a Greenpeace, estas notícias não são, no entanto, ainda dignas de júbilo. É óbvio que a adesão bem intencionada à RSPO não será suficiente para mudar a tendência atual, e nem sequer garante o cumprimento das boas práticas. Se as taxas de desflorestação na região se mantiverem inalteradas (ou aumentarem), os orangotangos estarão extintos dentro de duas a três décadas e, com eles, um elevado número de outras espécies biológicas, muitas delas ainda nem conhecidas pela ciência. A preocupação dos céticos não é sequer somente paisagística ou moral: a substituição das florestas tropicais húmidas por plantações, que se tem verificado em todo o mundo, nas últimas décadas, poderá fazer pesar a balança das alterações climáticas para um nível indesejável e irreversível. Por outrtas palavras, teremos de aprender a sobreviver num mundo de fenómenos climatéricos intensos e imprevisíveis dos quais já ouvimos falar, mas que ainda não acreditamos que possa materializar-se.
Para muitos analistas, a escolha principal sobre a tendência futura da região e dos seus recursos naturais é decididamente dos consumidores. O óleo de palma é mundialmente consumido de forma quotidiana e descontraída, para o que tem contribuido o facto de estar frequentemente dissimulado nas listas de ingredientes sob a designação de “óleo vegetal” ou “gordura vegetal”. No final de 2011, a União Europeia adotou regulamentação que obriga à identificação exata dos óleos de origem vegetal nos produtos alimentares, com a intenção de promover mudanças significativas na indústria do óleo de palma, bem como a proteção dos consumidores, de modo a poderem fazer escolhas informadas.
Infelizmente, o homem da floresta não pode escolher. O leitor pode. Qual é a sua escolha?

Super interessante nº169 – Maio de 2012

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