Os bailados aéreos das borboletas são um dos espectáculos mais bonitos da
Natureza. Por detrás da sua beleza e graciosidade, escondem-se muitas
curiosidades que vale a pena descobrir. O biólogo Jorge Nunes convida-o para um
inesquecível passeio á cata das sedutoras borboletas portuguesas.
As borboletas são criaturas fascinantes. As suas múltiplas curiosidades
(biológicas, ecológicas, evolutivas e de interacção com o Homem) e os
encantadores padrões coloridos das suas asas, que parecem saídos de uma paleta
divina, não deixam ninguém indiferente. Com a chegada da Primavera, não param
de nos maravilhar com as suas coreografias aéreas, que trazem mais vida e cor
aos campos floridos.
Tanto as borboletas diurnas (ropalóceros) como as nocturnas (traças
ou heteróceros) pertencem á ordem dos lepidópteros (denominação de origem grega
que significa literalmente “escamas nas asas”), a segunda mais numerosa no
grupo dos insectos. Esta alberga cerca de 165 mil espécies a nível mundial, das
quais 2200 ocorrem em Portugal. De um modo geral, são invertebrados bastante
cosmopolitas. Aparecem em todos os continentes e podem encontrar-se desde o
Equador até às regiões polares. Contudo, visto que são animais ectotérmicos,
bastante dependentes da temperatura ambiente, a sua observação em climas
temperados e frios circunscreve-se aos meses mais quentes e solarengos,
nomeadamente à Primavera e ao Verão. Durante o resto do ano, raramente são
vistos, mantendo-se abrigados (em hibernação) em esconderijos naturais (grutas,
minas e troncos de árvores) e construções humanas (celeiros, pontes, cavidades
de muros e habitações). Não se sabe exactamente quando os lepidópteros
apareceram na Terra, se bem que sejam considerados uma das ordens mais recentes
da classe dos insectos. O registo fóssil mais antigo data de há 120 milhões de
anos, tendo permitido constatar que as borboletas nocturnas são mais primitivas
do que as diurnas e que as grandes linhas evolutivas deste grupo já estariam
estabelecidas no Cretácico Médio.
As borboletas coexistiram com os dinossauros e assistiram à
diversificação das plantas com flor, com as quais foram estabelecendo estreitas
relações alimentares, por vezes tão específicas que muitas tornaram-se
monófagas, ou seja, apenas se alimentam de uma única espécie de planta. Este
fiel “casamento” de algumas espécies com uma única planta companheira, da qual
se tornaram totalmente dependentes, poderá acarretar apreciáveis problemas ao
nível da viabilidade e conservação das populações, sobretudo quando essas
plantas sofrem decréscimos populacionais significativos ou estão em risco de
extinção.
Metamorfoses
completas
Todos nós já fomos surpreendidos por lagartas a destruir-nos as
flores do jardim, a roer as hortaliças fresquinhas ou a perfurar
incessantemente o interior de apetitosas cerejas, maçãs ou outros frutos
silvestres. Estes são geralmente encontros fortuitos que acabam de forma
trágica para os repugnantes visitantes que têm a má sorte de se cruzar
connosco. Porém, o que poucas pessoas saberão é que essas pequenas larvas,
feias e de aspecto desagradável, acabariam um dia por se transformar em lindas
e vistosas borboletas, se pudessem cumprir o seu destino natural. No entanto, a
estranha transformação da lagarta (o monstro) em borboleta (a bela) não se faz
directamente, sendo, aliás, apenas um dos momentos mágicos do peculiar ciclo de
vida destes insectos.
Contrariamente ao que acontece com os humanos e com a maioria dos
vertebrados, em que os filhos nascem com aspecto similar ao dos seus
progenitores, dos ovos das borboletas eclodem criaturas muito diferentes dos
adultos que as originaram. Estes insectos têm “metamorfoses completas”, uma vez
que ocorrem profundas alterações ao longo dos quatro estádios que constituem o
seu ciclo biológico: ovo, lagarta (larva), crisálida (pupa) e insecto adulto
(também chamado “imago”).Entre cada estádio, existem mudanças notórias no corpo
dos animais, as quais são muito evidentes tanto ao nível morfológico como
fisiológico e até ecológico (com distintos habitats e hábitos alimentares).
Na natureza, nada acontece por acaso, pelo que existe uma
explicação evolutiva para estas metamorfoses. Segundo José Manuel Grosso-Silva,
especialista em insectos do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos
Genéticos da Universidade do Porto, tal “pode ser visto como uma estratégia de
redução de competição entre os adultos e as larvas da mesma espécie”. Ou seja,
sendo os vários estádios tão diferentes, vivendo inclusivamente em habitats
distintos e possuindo hábitos alimentares desiguais, isso trará notórios
benefícios para todos eles e, em última análise, para a sobrevivência da
própria espécie.
Do ovo ao adulto
Após o acasalamento, as fêmeas depositam os ovos (que podem ir de
algumas dezenas a vários milhares) sobre diversos substratos. Porém, quando se
trata de assegurar a sobrevivência da descendência e a perpetuação da espécie,
as posturas não se fazem ao acaso, evitando-se uma longa exposição ao ataque
dos predadores.
Os ovos estão fixos, não possuindo grandes defesas, para além da
camuflagem oferecida pelas cores, que se confundem com o meio. Por isso, os
momentos e os locais são cuidadosamente escolhidos tendo em consideração
diversos critérios, que variam de acordo com a espécie. Aspectos como a
disponibilidade de alimento (são geralmente escolhidas as folhas das plantas
que servirão de alimento às lagartas), a exposição solar, a temperatura, a
orientação do vento e a presença de ovos de outros insectos são tidos em
consideração pelas zelosas fêmeas. Algumas acasalam no Verão, mas apenas põem
os ovos na Primavera seguinte, quando existem maiores garantias de
sobrevivência da prole.
A eclosão poderá ocorrer ao fim de alguns dias ou passados vários
meses. As lagartas que emergem dos ovos cedo começam a demonstrar um apetite
voraz, fazendo das cascas dos próprios ovos as suas primeiras refeições. De
aspecto vermiforme, sem asas nem escamas, mas com peças bucais e mandíbulas
especialmente destinadas à mastigação, têm como principal objectivo
alimentar-se e acumular reservas nutritivas para os estádios seguintes.
Por terem corpo mole e reduzida mobilidade, as lagartas
encontram-se bastante vulneráveis aos predadores, sobretudo aves, répteis e
outros insectos. No entanto, não se deixam apanhar facilmente, pois possuem um
vasto leque de estratégias defensivas. Algumas são mestres na arte do disfarce,
designadamente, na camuflagem (ostentando cores e texturas que se confundem com
o meio) e no mimetismo (apresentando formas e colorações que as fazem parecer
outros seres vivos, geralmente mais perigosos ou venenosos). Outras, em vez de
passarem despercebidas, gostam de dar nas vistas. Vestem-se de cores garridas
de aviso que alertam os predadores para as toxinas e pêlos urticantes, que
podem atingir dois milhões numa única lagarta!
Quando a lagarta já reuniu as reservas energéticas suficientes,
deixa de se alimentar, procurando um refúgio adequado para se transformar
em crisálida. Neste estádio de desenvolvimento, algumas lagartas produzem
seda, com a qual se fixam às plantas, constroem estruturas protectoras
(vulgares na família Psychidae,
borboletas nocturnas conhecidas pelo nome popular de “bichos palheiro”) ou produzem
casulos onde se encerram (de que o bicho-da-seda é o exemplo mais famoso).
Este período de repouso tem uma duração variável consoante as
espécies, podendo ir de uma semana até vários anos. Caracteriza-se por uma
morfologia extremamente simples, dado que as crisálidas permanecem geralmente
imóveis. O aparelho bucal e o ânus estão bloqueados e o animal entra em
letargia total, enquanto vai consumindo as reservas nutritivas que conseguiu
armazenar na fase larvar. Nas palavras do investigador Ernestino Maravalhas,
constitui, “a seguir à lagarta, o mais importante estádio de hibernação dos
lepidópteros de Portugal”.
Após complexas alterações morfológicas e fisiológicas, o antigo
monstro rastejante que desapareceu originando a crisálida acaba por dar lugar,
como que por magia, a uma criatura voadora, a borboleta. No momento em que
emerge, deixando atrás de si um casulo ou um invólucro quitinoso vazio,
apresenta o corpo mole, as asas flácidas e enrugadas e uma pigmentação pálida.
Só ao fim de algum tempo a coloração atinge todo o seu esplendor e as asas e o
exoesqueleto totalmente endurecidos permitem o primeiro voo. Seguem-se horas ou
dias de magníficas coreografias aéreas e da procura incessante de parceiro
sexual, pois compete aos adultos dar continuidade à história da espécie.
A duração da fase adulta é bastante variável. Há espécies que
vivem apenas algumas horas, o suficiente para se reproduzirem, e outras que
sobrevivem vários meses, como é o caso da almirante-vermelho (Vanessa
atalanta), que pode atingir os nove meses de vida.
Olfacto
apurado
No adulto, o corpo (que pode ir de dois milímetros até mais de
vinte centímetros de comprimento) é quitinoso e separado por anéis ou
segmentos. Divide-se em cabeça, tórax e abdómen, e encontra-se usualmente
recoberto por escamas e pêlos.
Na cabeça, localizam-se as estruturas sensoriais (olhos e antenas)
e o aparelho bucal. Os olhos são compostos por milhares de facetas ou
omatídeos, que podem chegar aos 12 mil em algumas espécies nocturnas. As
antenas estão associadas ao olfacto (embora as borboletas possam detectar
odores através de outras partes do corpo) e ao tacto. A sua forma e comprimento
são muito variáveis, tanto entre diferentes famílias como entre machos e fêmeas
numa mesma espécie. Estas são geralmente mais complexas nos machos, dado que é
através delas que captam as feromonas libertadas pelas fêmeas, como acontece
com a traça Actias selene,
em que os machos conseguem identificar o odor das fêmeas a vários quilómetros
de distância. Além disso, o aspecto das antenas também difere consideravelmente
entre os lepidópteros diurnos, que as apresentam filiformes e terminadas em
clava, e nocturnos, que as possuem geralmente plumosas (ramificadas).
Os adultos não possuem mandíbulas, uma vez que nesta fase do ciclo
de vida não têm necessidade de mastigar as folhas das plantas, como acontecia
com as lagartas. No seu lugar, existe um aparelho bucal sugador designado por
“tromba” ou “probóscis”, uma estrutura tubular que geralmente se encontra
enrolada e através da qual se alimentam apenas de líquidos (néctar das flores,
sumos de frutas fermentadas, seiva de algumas plantas e soluções ricas em sais
minerais). Em certas espécies, a tromba está completamente reduzida e a
abertura oral fechada, pelo que nesses casos os adultos não se alimentam,
retirando a energia de que precisam exclusivamente das reservas acumuladas
durante a fase larvar.
O tórax, onde se localizam geralmente as asas, é bastante forte,
sendo aí que se encontram alojados os poderosos músculos alares que
possibilitam o voo. Esses são tão possantes que permitem vinte batimentos de
asas por segundo (podendo chegar aos cem batimentos por segundo em certas
espécies nocturnas), atingir uma velocidade média de 13 quilómetros por hora
(60 km/h nos exemplares da família Sphingidae)
e percorrer milhares de quilómetros, como acontece com diversas espécies
migradoras. É nesta zona do corpo que se encontram ainda os três pares
simétricos de patas e, em algumas espécies, o órgão auditivo.
O abdómen, que na maioria das espécies está recoberto por escamas
pilosas, é uma estrutura mole, onde se localiza a maioria dos órgãos dos
diversos sistemas, como o coração, o intestino, os ovários e os testículos,
entre outros.
Rastos de cor
Embora se conheçam famílias com fêmeas ápteras ou com atrofia
alar, a esmagadora maioria das borboletas apresenta dois pares simétricos de
asas. Estas são constituídas por uma dupla membrana, atravessada por nervuras
tubulares e finas, que tornam a estrutura mais resistente, permitindo-lhe
suportar grandes pressões durante o voo. Mas elas não servem apenas para a
locomoção aérea: constituem também verdadeiras pinturas da natureza com
diversas funções, como a diferenciação das espécies e dos sexos, a camuflagem e
o mimetismo e a dissuasão dos predadores, entre outras.
As borboletas exibem uma diversidade estonteante de cores e
padrões nas suas asas. No entanto, apenas quando são observadas através de uma
lupa ou de uma potente lente macro revelam toda a sua beleza e enigmática
origem, que resulta da existência de escamas sobrepostas nas asas (o que deu o
nome a estes notáveis insectos, chamados “lepidópteros”, do grego lepis, que significa
“escama”, e pteron,
“asa”). Num único milímetro quadrado, podem contar-se entre 200 e 600 escamas,
sendo que em cada uma existe apenas um único pigmento. A sua disposição e a
junção de diferentes pigmentos originam a gigantesca gama de cores e padrões
iridescentes, que são acentuados por fenómenos de refracção, em que as cores
brilhantes e metalizadas variam conforme o ângulo de incidência da luz.
Como os machos mais vistosos agradam às fêmeas e transmitem os
seus genes, os cientistas acreditam que a selecção sexual terá guiado a
formação destas maravilhosas pinturas extravagantes e abstractas. Portanto,
pode dizer-se que são verdadeiras jóias da evolução.
Falsos
olhos
E as curiosidades não se ficam por aqui. Uma grande percentagem
das borboletas, sobretudo as de grande tamanho, possui ocelos nas asas. Estes
são manchas coloridas que parecem imitar olhos e surgem, usualmente, apenas
numa das faces da asa. Apresentam cores brilhantes e chamativas, localizando-se
afastados das principais nervuras alares e dos órgãos vitais.
Os falsos olhos, a que se juntam muitas vezes prolongamentos das
asas, que as borboletas movem instintivamente de forma regular, servem para
confundir os predadores. Estes, ao perpetrarem os seus ataques no lado
posterior do corpo, apanharão apenas pedaços de asa, enquanto a borboleta terá
oportunidade de se pôr em fuga, seguindo em sentido oposto. Esta estratégia é
usada pela cauda-de-andorinha (Papilio machaon) e pela borboleta-zebra
(Iphiclides podalirius), que podem observar-se por todo o território
de Portugal Continental. No entanto, muitas outras espécies se defendem deste
modo, a avaliar pelo número de borboletas que ostentam asas esfarrapadas em
virtude dos inúmeros ataques que terão sofrido durante a sua curta existência
aérea.
Em algumas espécies, os ocelos perdem a sua forma arredondada ou
ovalada e, em vez de escamas para reflectir a luz, surgem como “janelas”,
permitindo ver através deles o substrato no qual o insecto está pousado,
contribuindo para esbater a sua silhueta.
Sejam redondos ou ovais, brilhantes ou opacos, concêntricos ou
irregulares, ou em transparentes “janelas”, todos os ocelos parecem resultar de
um esmerado mecanismo de selecção natural, que terá ditado a sobrevivência e
perpetuação dos mais aptos. Cumprem assim essencialmente duas funções:
“distrair a atenção dos predadores, levando-os a morder uma área do corpo pouco
vital, a asa, e aterrorizar os predadores ao exibirem sinais que lembram
animais terríveis e pondo o atacante em fuga”, nas palavras de Ernestino
Maravalhas.
Encurraladas pelo homem
Embora as borboletas tenham
surgido na Terra muito antes do homem, a coexistência entre ambos não tem sido
pacífica. A nossa espécie é um dos seus principais perseguidores. Como lembra
Maravalhas, “as actividades antropogénicas sobre os espaços naturais actuam de
forma nefasta sobre as comunidades vegetais e animais, revelando-se
particularmente negativas no que concerne às borboletas, uma vez que a maioria
das espécies resiste mal à transformação dos ecossistemas”.
Além de uma escassa minoria de espécies que consegue adaptar-se
facilmente às alterações dos ecossistemas, a generalidade das populações de
lepidópteros tem vindo a diminuir, tanto em número de indivíduos como na
extensão das suas áreas de distribuição geográfica. Entre as causas mais
apontadas para esse declínio, encontram-se a destruição dos habitats, a
poluição atmosférica, a utilização desregrada de pesticidas, as alterações
climáticas, a expansão das áreas urbanas e as capturas excessivas para
comercialização e coleccionismo.
Sobre a destruição dos habitats, importa referir os efeitos
nefastos dos incêndios, a implantação de monoculturas florestais intensivas,
como o eucalipto, e a introdução de plantas exóticas invasoras, de que as
acácias são o exemplo maior. Maravalhas confidencia no seu livro que tem “constatado
que nenhum ropalócero sobrevive nos acaciais”, acabando por concluir mais
adiante que, se “a dispersão das acácias não for travada, existe um risco real
de extinção local de populações de espécies de borboletas raras e ameaçadas,
algumas das quais no interior de sítios da Rede Natura 2000”.
Perante tantas ameaças, que têm levado a um decréscimo mundial e
nacional das populações de borboletas, é caso para perguntar: até quando
continuaremos a ser maravilhados com os bailados caleidoscópicos destes admiráveis
insectos?
J.N.
Bailado nacional
Das 165 mil espécies de borboletas conhecidas a nível mundial,
voam por terras lusitanas mais de dois milhares. Destas, a grande maioria é
nocturna (mais de duas mil espécies), sendo distinguíveis das suas congéneres
diurnas, que se resumem a apenas 135 espécies, pela configuração das asas e do
corpo, pelo modo como as nervuras alares se distribuem e pela forma das antenas
(geralmente ramificadas, nas nocturnas). Como é natural, as pessoas conhecem
melhor as espécies que voam de dia, sendo essas que ostentam as cores mais
vistosas e nos deleitam com os seus magníficos bailados caleidoscópicos.
A borboleta-do-medronheiro (Charaxes jasius), com os seus
cerca de oito centímetros de envergadura, é a maior espécie diurna que pode ser
observada no nosso país. Fica, no entanto, muito aquém do record mundial, que pertence à
Ornithoptera alexandrae, oriunda da Nova Guiné, cujas fêmeas podem atingir mais
de 30 cm. Contudo, o maior lepidóptero existente em Portugal é na verdade uma
borboleta nocturna, a grande-pavão-nocturno (Saturnia pyri), que pode
chegar aos 15 cm de envergadura.
Para além das borboletas nativas, algumas outras chegam com a
Primavera, vindo enriquecer o colorido dos nossos campos. Entre as espécies migradoras
que nos visitam, as mais emblemáticas são a almirante-vermelho (Vanessa
atalanta), a vanessa-dos-cardos (Vanessa cardui), a vanessa (Vanessa
virginiensis), a antiopa (Nymphalis antiopa), a prateada (Issoria
lathonia), a borboleta-da-couve (Pieris brassicae), a
borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae), a branca e verde (Pontia
daplidice) e a maravilha (Colias croceus).
Para que servem?
Especialmente os mais jovens têm muita tendência para perguntar o
porquê das coisas. E, quando se trata de borboletas, há sempre algumas questões
inevitáveis: as borboletas são importantes, as borboletas são perigosas, para
que servem as borboletas?
Na perspectiva ecológica, podemos dar a resposta que se aplica de
igual modo a todos os outros seres vivos que existem no planeta: são essenciais
ao equilíbrio dos ecossistemas e, em última análise, à sobrevivência do homem,
mesmo quando as interdependências com este não são facilmente perceptíveis! No
caso concreto dos lepidópteros, o facto mais significativo é serem insectos
polinizadores essenciais para a multiplicação das plantas com flor e estarem
integrados em infindáveis cadeias alimentares, de que depende um sem número de
outros organismos. Por essa razão, são consideradas importantes indicadores da
qualidade ambiental, pelo que quanto maior for o seu número e variedade num
dado local, melhor será a qualidade do ambiente.
Numa óptica mais antropocêntrica, uma das interacções mais famosas
entre o homem e as borboletas é certamente a que está relacionada com a
produção milenar de seda. Essa fibra natural, usada na mais requintada
indústria têxtil, resulta do aproveitamento dos casulos produzidos pelo
bicho-da-seda, uma espécie de borboleta nocturna oriunda do Norte da China, que
tem vindo a ser criada em cativeiro nos mais diversos recantos do mundo.
Além disso, a captura, criação e venda de espécies exóticas para
fins decorativos e de coleccionismo parece ser também um negócio rentável.
Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o comércio
mundial de borboletas representa, na actualidade, várias dezenas de milhões de
euros. Este inclui a transacção de espécimes mortos (dissecados e preparados
para coleccionadores), mas também de vivos, destinados às chamadas butterfly houses, onde as
belíssimas espécies exóticas são exibidas com todo o seu esplendor natural.
Mas é claro que a relação com as borboletas nem sempre é benéfica
para o homem. Há algumas espécies de lepidópteros que podem tornar-se pragas,
causando estragos e prejuízos em explorações agrícolas e florestais. Entre as
mais conhecidas nos nossos quintais, podemos referir a borboleta-da-couve (Pieris
brassicae) e a borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae), cujas
lagartas se alimentam de nabos, couves e outros legumes, e ainda a borboleta-da-sardinheira
(Cacyreus marshalii), que ataca gerânios e sardinheiras.
Existem larvas de lepidópteros que atacam as macieiras,
nomeadamente as suas raízes (Synanthedon myopaeformis), os seus caules
(Zeuzera pyrina) e os seus frutos, como as lagartas da traça-da-macieira
(Cydia pomonella), que também é uma presença habitual no interior das
pêras. Outras espécies escolhem as videiras (Deilephila elpenor) e o
milho (Sesamia nonagrioides).
Os pinheiros servem de alimento a várias espécies. A
processionária (Thaumetopoea pityocampa), assim designada pelo facto
de as lagartas se juntarem em “procissão” formando longas filas, é sem dúvida
uma das mais importantes, não apenas por se alimentar das suas agulhas, mas
principalmente por ser considerada um problema de saúde pública, nomeadamente
em zonas urbanas. Isto acontece porque as lagartas estão recobertas por pêlos
urticantes que causam alergias na pele, nos olhos e no sistema respiratório. Em
zonas “infectadas”, mesmo não havendo qualquer contacto das lagartas com o
corpo, os pêlos podem ser arrastados pelo vento, acabando por ser inalados ou
cravar-se na pele. Provocam, usualmente, comichões e edemas, que têm tendência
para piorar e espalhar-se com o simples acto de coçar. Embora seja uma situação
muito incomodativa, na maioria das pessoas passa ao fim de 24 horas, sobretudo
se as zonas afectadas forem refrescadas e lavadas com água corrente e tratadas
com pomada anti-histamínica. Em casos mais graves, nomeadamente em crianças e
pessoas alérgicas, deve procurar-se imediatamente acompanhamento médico. Como
medidas preventivas, desaconselha-se o acesso a zonas onde existam árvores
atacadas, que se reconhecem pela existência de grandes ninhos sedosos
pendurados nos ramos.
Estudar as borboletas
Durante muitos anos, o Catálogo
Sistemático dos Macrolepidópteros de Portugal, da autoria de Maria Amélia
da Silva Cruz e Timóteo Gonçalves, publicado em 1977, foi uma obra de
referência para todos aqueles que se interessaram pelas borboletas portuguesas,
uma vez que fazia a inventariação e a revisão de todos os trabalhos conhecidos
à época.
O estudo das borboletas em Portugal, no entanto, começou muito
antes. Os primeiros trabalhos datam dos finais do século XVIII.
Desde esse período, foram vários os naturalistas que se deixaram
enamorar pela beleza e curiosidades das “bailarinas” portuguesas. Porém, nenhum
parece ter suplantado a paixão demonstrada pelo padre Teodoro Monteiro,
considerado por Ernestino Maravalhas como sendo o maior lepidopterologista
português. A ele se fica a dever a descoberta de espécies novas, a publicação
de inúmeros artigos sobre a temática e a organização da maior colecção de
lepidópteros do país.
Mais recentemente, surgiram novos investigadores que têm vindo a
fazer a monitorização dos lepidópteros portugueses, aprofundando os
conhecimentos sobre a sua biologia, ecologia, distribuição geográfica e
conservação. Como muitos dos estudos vão sendo publicados em revistas
científicas ou em publicações da especialidade, ficam fora do alcance do
público em geral. Portanto, os leitores interessados em iniciar-se no estudo
destes maravilhosos insectos poderão saciar a sua curiosidade nas cerca de
quinhentas páginas do livro As
Borboletas de Portugal, editado em 2003, por Ernestino Maravalhas, com o
inestimável contributo de inúmeros especialistas nacionais e estrangeiros.
É preciso cuidado: com um guia de campo nas mãos, ilustrado com as
magníficas cores destes insectos, o leitor corre o risco de se converter num
observador de borboletas. Diz quem viveu a experiência que é um passatempo
deslumbrante para o qual não é necessário material específico, podendo fazer-se
nos quintais e jardins urbanos de qualquer cidade ou vila portuguesa, no meio
rural ou florestal, nas zonas húmidas, montanhosas ou litorais. Onde houver
plantas floridas, não será difícil descobrir lepidópteros, especialmente nos
dias mais soalheiros.
SUPER 159 - Julho 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário