sábado, 9 de junho de 2012

A vida das borboletas – Documento:


Os bailados aéreos das borboletas são um dos espectáculos mais bonitos da Natureza. Por detrás da sua beleza e graciosidade, escondem-se muitas curiosidades que vale a pena descobrir. O biólogo Jorge Nunes convida-o para um inesquecível passeio á cata das sedutoras borboletas portuguesas.
As borboletas são criaturas fascinantes. As suas múltiplas curiosidades (biológicas, ecológicas, evolutivas e de interacção com o Homem) e os encantadores padrões coloridos das suas asas, que parecem saídos de uma paleta divina, não deixam ninguém indiferente. Com a chegada da Primavera, não param de nos maravilhar com as suas coreografias aéreas, que trazem mais vida e cor aos campos floridos.
Tanto as borboletas diurnas (ropalóceros) como as nocturnas (traças ou heteróceros) pertencem á ordem dos lepidópteros (denominação de origem grega que significa literalmente “escamas nas asas”), a segunda mais numerosa no grupo dos insectos. Esta alberga cerca de 165 mil espécies a nível mundial, das quais 2200 ocorrem em Portugal. De um modo geral, são invertebrados bastante cosmopolitas. Aparecem em todos os continentes e podem encontrar-se desde o Equador até às regiões polares. Contudo, visto que são animais ectotérmicos, bastante dependentes da temperatura ambiente, a sua observação em climas temperados e frios circunscreve-se aos meses mais quentes e solarengos, nomeadamente à Primavera e ao Verão. Durante o resto do ano, raramente são vistos, mantendo-se abrigados (em hibernação) em esconderijos naturais (grutas, minas e troncos de árvores) e construções humanas (celeiros, pontes, cavidades de muros e habitações). Não se sabe exactamente quando os lepidópteros apareceram na Terra, se bem que sejam considerados uma das ordens mais recentes da classe dos insectos. O registo fóssil mais antigo data de há 120 milhões de anos, tendo permitido constatar que as borboletas nocturnas são mais primitivas do que as diurnas e que as grandes linhas evolutivas deste grupo já estariam estabelecidas no Cretácico Médio.
As borboletas coexistiram com os dinossauros e assistiram à diversificação das plantas com flor, com as quais foram estabelecendo estreitas relações alimentares, por vezes tão específicas que muitas tornaram-se monófagas, ou seja, apenas se alimentam de uma única espécie de planta. Este fiel “casamento” de algumas espécies com uma única planta companheira, da qual se tornaram totalmente dependentes, poderá acarretar apreciáveis problemas ao nível da viabilidade e conservação das populações, sobretudo quando essas plantas sofrem decréscimos populacionais significativos ou estão em risco de extinção.
Metamorfoses completas
Todos nós já fomos surpreendidos por lagartas a destruir-nos as flores do jardim, a roer as hortaliças fresquinhas ou a perfurar incessantemente o interior de apetitosas cerejas, maçãs ou outros frutos silvestres. Estes são geralmente encontros fortuitos que acabam de forma trágica para os repugnantes visitantes que têm a má sorte de se cruzar connosco. Porém, o que poucas pessoas saberão é que essas pequenas larvas, feias e de aspecto desagradável, acabariam um dia por se transformar em lindas e vistosas borboletas, se pudessem cumprir o seu destino natural. No entanto, a estranha transformação da lagarta (o monstro) em borboleta (a bela) não se faz directamente, sendo, aliás, apenas um dos momentos mágicos do peculiar ciclo de vida destes insectos.
Contrariamente ao que acontece com os humanos e com a maioria dos vertebrados, em que os filhos nascem com aspecto similar ao dos seus progenitores, dos ovos das borboletas eclodem criaturas muito diferentes dos adultos que as originaram. Estes insectos têm “metamorfoses completas”, uma vez que ocorrem profundas alterações ao longo dos quatro estádios que constituem o seu ciclo biológico: ovo, lagarta (larva), crisálida (pupa) e insecto adulto (também chamado “imago”).Entre cada estádio, existem mudanças notórias no corpo dos animais, as quais são muito evidentes tanto ao nível morfológico como fisiológico e até ecológico (com distintos habitats e hábitos alimentares).
Na natureza, nada acontece por acaso, pelo que existe uma explicação evolutiva para estas metamorfoses. Segundo José Manuel Grosso-Silva, especialista em insectos do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, tal “pode ser visto como uma estratégia de redução de competição entre os adultos e as larvas da mesma espécie”. Ou seja, sendo os vários estádios tão diferentes, vivendo inclusivamente em habitats distintos e possuindo hábitos alimentares desiguais, isso trará notórios benefícios para todos eles e, em última análise, para a sobrevivência da própria espécie.
Do ovo ao adulto
Após o acasalamento, as fêmeas depositam os ovos (que podem ir de algumas dezenas a vários milhares) sobre diversos substratos. Porém, quando se trata de assegurar a sobrevivência da descendência e a perpetuação da espécie, as posturas não se fazem ao acaso, evitando-se uma longa exposição ao ataque dos predadores.
Os ovos estão fixos, não possuindo grandes defesas, para além da camuflagem oferecida pelas cores, que se confundem com o meio. Por isso, os momentos e os locais são cuidadosamente escolhidos tendo em consideração diversos critérios, que variam de acordo com a espécie. Aspectos como a disponibilidade de alimento (são geralmente escolhidas as folhas das plantas que servirão de alimento às lagartas), a exposição solar, a temperatura, a orientação do vento e a presença de ovos de outros insectos são tidos em consideração pelas zelosas fêmeas. Algumas acasalam no Verão, mas apenas põem os ovos na Primavera seguinte, quando existem maiores garantias de sobrevivência da prole.
A eclosão poderá ocorrer ao fim de alguns dias ou passados vários meses. As lagartas que emergem dos ovos cedo começam a demonstrar um apetite voraz, fazendo das cascas dos próprios ovos as suas primeiras refeições. De aspecto vermiforme, sem asas nem escamas, mas com peças bucais e mandíbulas especialmente destinadas à mastigação, têm como principal objectivo alimentar-se e acumular reservas nutritivas para os estádios seguintes.
Por terem corpo mole e reduzida mobilidade, as lagartas encontram-se bastante vulneráveis aos predadores, sobretudo aves, répteis e outros insectos. No entanto, não se deixam apanhar facilmente, pois possuem um vasto leque de estratégias defensivas. Algumas são mestres na arte do disfarce, designadamente, na camuflagem (ostentando cores e texturas que se confundem com o meio) e no mimetismo (apresentando formas e colorações que as fazem parecer outros seres vivos, geralmente mais perigosos ou venenosos). Outras, em vez de passarem despercebidas, gostam de dar nas vistas. Vestem-se de cores garridas de aviso que alertam os predadores para as toxinas e pêlos urticantes, que podem atingir dois milhões numa única lagarta!
Quando a lagarta já reuniu as reservas ener­gé­ticas suficientes, deixa de se alimentar, pro­cu­rando um refúgio adequado para se trans­for­mar em crisálida. Neste estádio de desen­vol­vimento, algumas lagartas produzem seda, com a qual se fixam às plantas, cons­troem es­truturas protectoras (vulgares na família Psy­chidae, borboletas nocturnas conhecidas pelo nome popular de “bichos palheiro”) ou pro­duzem casulos onde se encerram (de que o bicho-da-seda é o exemplo mais famoso).
Este período de repouso tem uma duração variável consoante as espécies, podendo ir de uma semana até vários anos. Caracteriza-se por uma morfologia extremamente simples, dado que as crisálidas permanecem geralmente imóveis. O aparelho bucal e o ânus estão bloqueados e o animal entra em letargia total, enquanto vai consumindo as reservas nutritivas que conseguiu armazenar na fase larvar. Nas palavras do investigador Ernestino Maravalhas, constitui, “a seguir à lagarta, o mais importante estádio de hibernação dos lepidópteros de Portugal”.
Após complexas alterações morfológicas e fisiológicas, o antigo monstro rastejante que desapareceu originando a crisálida acaba por dar lugar, como que por magia, a uma criatura voadora, a borboleta. No momento em que emerge, deixando atrás de si um casulo ou um invólucro quitinoso vazio, apresenta o corpo mole, as asas flácidas e enrugadas e uma pigmentação pálida. Só ao fim de algum tempo a coloração atinge todo o seu esplendor e as asas e o exoesqueleto totalmente endurecidos permitem o primeiro voo. Seguem-se horas ou dias de magníficas coreografias aéreas e da procura incessante de parceiro sexual, pois compete aos adultos dar continuidade à história da espécie.
A duração da fase adulta é bastante variável. Há espécies que vivem apenas algumas horas, o suficiente para se reproduzirem, e outras que sobrevivem vários meses, como é o caso da almirante-vermelho (Vanessa atalanta), que pode atingir os nove meses de vida.
Olfacto apurado
No adulto, o corpo (que pode ir de dois milímetros até mais de vinte centímetros de comprimento) é quitinoso e separado por anéis ou segmentos. Divide-se em cabeça, tórax e abdómen, e encontra-se usualmente recoberto por escamas e pêlos.
Na cabeça, localizam-se as estruturas sensoriais (olhos e antenas) e o aparelho bucal. Os olhos são compostos por milhares de facetas ou omatídeos, que podem chegar aos 12 mil em algumas espécies nocturnas. As antenas estão associadas ao olfacto (embora as borboletas possam detectar odores através de outras partes do corpo) e ao tacto. A sua forma e comprimento são muito variáveis, tanto entre diferentes famílias como entre machos e fêmeas numa mesma espécie. Estas são geralmente mais complexas nos machos, dado que é através delas que captam as feromonas libertadas pelas fêmeas, como acontece com a traça Actias selene, em que os machos conseguem identificar o odor das fêmeas a vários quilómetros de distância. Além disso, o aspecto das antenas também difere consideravelmente entre os lepidópteros diurnos, que as apresentam filiformes e terminadas em clava, e nocturnos, que as possuem geralmente plumosas (ramificadas).
Os adultos não possuem mandíbulas, uma vez que nesta fase do ciclo de vida não têm necessidade de mastigar as folhas das plantas, como acontecia com as lagartas. No seu lugar, existe um aparelho bucal sugador designado por “tromba” ou “probóscis”, uma estrutura tubular que geralmente se encontra enrolada e através da qual se alimentam apenas de líquidos (néctar das flores, sumos de frutas fermentadas, seiva de algumas plantas e soluções ricas em sais minerais). Em certas espécies, a tromba está completamente reduzida e a abertura oral fechada, pelo que nesses casos os adultos não se alimentam, retirando a energia de que precisam exclusivamente das reservas acumuladas durante a fase larvar.
O tórax, onde se localizam geralmente as asas, é bastante forte, sendo aí que se encontram alojados os poderosos músculos alares que possibilitam o voo. Esses são tão possantes que permitem vinte batimentos de asas por segundo (podendo chegar aos cem batimentos por segundo em certas espécies nocturnas), atingir uma velocidade média de 13 quilómetros por hora (60 km/h nos exemplares da família Sphingidae) e percorrer milhares de quilómetros, como acontece com diversas espécies migradoras. É nesta zona do corpo que se encontram ainda os três pares simétricos de patas e, em algumas espécies, o órgão auditivo.
O abdómen, que na maioria das espécies está recoberto por escamas pilosas, é uma estrutura mole, onde se localiza a maioria dos órgãos dos diversos sistemas, como o coração, o intestino, os ovários e os testículos, entre outros.
Rastos de cor
Embora se conheçam famílias com fêmeas ápteras ou com atrofia alar, a esmagadora maioria das borboletas apresenta dois pares simétricos de asas. Estas são constituídas por uma dupla membrana, atravessada por nervuras tubulares e finas, que tornam a estrutura mais resistente, permitindo-lhe suportar grandes pressões durante o voo. Mas elas não servem apenas para a locomoção aérea: constituem também verdadeiras pinturas da natureza com diversas funções, como a diferenciação das espécies e dos sexos, a camuflagem e o mimetismo e a dissuasão dos predadores, entre outras.
As borboletas exibem uma diversidade estonteante de cores e padrões nas suas asas. No entanto, apenas quando são observadas através de uma lupa ou de uma potente lente macro revelam toda a sua beleza e enigmática origem, que resulta da existência de escamas sobrepostas nas asas (o que deu o nome a estes notáveis insectos, chamados “lepidópteros”, do grego lepis, que significa “escama”,  e pteron, “asa”). Num único milímetro quadrado, podem contar-se entre 200 e 600 escamas, sendo que em cada uma existe apenas um único pigmento. A sua disposição e a junção de diferentes pigmentos originam a gigantesca gama de cores e padrões iridescentes, que são acentuados por fenómenos de refracção, em que as cores brilhantes e metalizadas variam conforme o ângulo de incidência da luz.
Como os machos mais vistosos agradam às fêmeas e transmitem os seus genes, os cientistas acreditam que a selecção sexual terá guiado a formação destas maravilhosas pinturas extravagantes e abstractas. Portanto, pode dizer-se que são verdadeiras jóias da evolução.
Falsos olhos
E as curiosidades não se ficam por aqui. Uma grande percentagem das borboletas, sobretudo as de grande tamanho, possui ocelos nas asas. Estes são manchas coloridas que parecem imitar olhos e surgem, usualmente, apenas numa das faces da asa. Apresentam cores brilhantes e chamativas, localizando-se afastados das principais nervuras alares e dos órgãos vitais.
Os falsos olhos, a que se juntam muitas vezes prolongamentos das asas, que as borboletas movem instintivamente de forma regular, servem para confundir os predadores. Estes, ao perpetrarem os seus ataques no lado posterior do corpo, apanharão apenas pedaços de asa, enquanto a borboleta terá oportunidade de se pôr em fuga, seguindo em sentido oposto. Esta estratégia é usada pela cauda-de-andorinha (Papilio machaon) e pela borboleta-zebra (Iphiclides podalirius), que podem observar-se por todo o território de Portugal Continental. No entanto, muitas outras espécies se defendem deste modo, a avaliar pelo número de borboletas que ostentam asas esfarrapadas em virtude dos inúmeros ataques que terão sofrido durante a sua curta existência aérea.
Em algumas espécies, os ocelos perdem a sua forma arredondada ou ovalada e, em vez de escamas para reflectir a luz, surgem como “janelas”, permitindo ver através deles o substrato no qual o insecto está pousado, contribuindo para esbater a sua silhueta.
Sejam redondos ou ovais, brilhantes ou opacos, concêntricos ou irregulares, ou em transparentes “janelas”, todos os ocelos parecem resultar de um esmerado mecanismo de selecção natural, que terá ditado a sobrevivência e perpetuação dos mais aptos. Cumprem assim essencialmente duas funções: “distrair a atenção dos predadores, levando-os a morder uma área do corpo pouco vital, a asa, e aterrorizar os predadores ao exibirem sinais que lembram animais terríveis e pondo o atacante em fuga”, nas palavras de Ernestino Maravalhas.
Encurraladas pelo homem
Embora as borboletas tenham surgido na Terra muito antes do homem, a coexistência entre ambos não tem sido pacífica. A nossa espécie é um dos seus principais perseguidores. Como lembra Maravalhas, “as actividades antropogénicas sobre os espaços naturais actuam de forma nefasta sobre as comunidades vegetais e animais, revelando-se particularmente negativas no que concerne às borboletas, uma vez que a maioria das espécies resiste mal à transformação dos ecossistemas”.
Além de uma escassa minoria de espécies que consegue adaptar-se facilmente às alterações dos ecossistemas, a generalidade das populações de lepidópteros tem vindo a diminuir, tanto em número de indivíduos como na extensão das suas áreas de distribuição geográfica. Entre as causas mais apontadas para esse declínio, encontram-se a destruição dos habitats, a poluição atmosférica, a utilização desregrada de pesticidas, as alterações climáticas, a expansão das áreas urbanas e as capturas excessivas para comercialização e coleccionismo.
Sobre a destruição dos habitats, importa referir os efeitos nefastos dos incêndios, a implantação de monoculturas florestais intensivas, como o eucalipto, e a introdução de plantas exóticas invasoras, de que as acácias são o exemplo maior. Maravalhas confidencia no seu livro que tem “constatado que nenhum ropalócero sobrevive nos acaciais”, acabando por concluir mais adiante que, se “a dispersão das acácias não for travada, existe um risco real de extinção local de populações de espécies de borboletas raras e ameaçadas, algumas das quais no interior de sítios da Rede Natura 2000”.
Perante tantas ameaças, que têm levado a um decréscimo mundial e nacional das populações de borboletas, é caso para perguntar: até quando continuaremos a ser maravilhados com os bailados caleidoscópicos destes admiráveis insectos?
J.N.
Bailado nacional
Das 165 mil espécies de borboletas conhecidas a nível mundial, voam por terras lusitanas mais de dois milhares. Destas, a grande maioria é nocturna (mais de duas mil espécies), sendo distinguíveis das suas congéneres diurnas, que se resumem a apenas 135 espécies, pela configuração das asas e do corpo, pelo modo como as nervuras alares se distribuem e pela forma das antenas (geralmente ramificadas, nas nocturnas). Como é natural, as pessoas conhecem melhor as espécies que voam de dia, sendo essas que ostentam as cores mais vistosas e nos deleitam com os seus magníficos bailados caleidoscópicos.
A borboleta-do-medronheiro (Charaxes jasius), com os seus cerca de oito centímetros de envergadura, é a maior espécie diurna que pode ser observada no nosso país. Fica, no entanto, muito aquém do record mundial, que pertence à Ornithoptera alexandrae, oriunda da Nova Guiné, cujas fêmeas podem atingir mais de 30 cm. Contudo, o maior lepidóptero existente em Portugal é na verdade uma borboleta nocturna, a grande-pavão-nocturno (Saturnia pyri), que pode chegar aos 15 cm de envergadura.
Para além das borboletas nativas, algumas outras chegam com a Primavera, vindo enriquecer o colorido dos nossos campos. Entre as espécies migradoras que nos visitam, as mais emblemáticas são a almirante-vermelho (Vanessa atalanta), a vanessa-dos-cardos (Vanessa cardui), a vanessa (Vanessa virginiensis), a antiopa (Nymphalis antiopa), a pratea­da (Issoria lathonia), a borboleta-da-couve (Pieris brassicae), a borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae), a branca e verde (Pontia daplidice) e a maravilha (Colias croceus).
Para que servem?
Especialmente os mais jovens têm muita tendência para perguntar o porquê das coisas. E, quando se trata de borboletas, há sempre algumas questões inevitáveis: as borboletas são importantes, as borboletas são perigosas, para que servem as borboletas?
Na perspectiva ecológica, podemos dar a resposta que se aplica de igual modo a todos os outros seres vivos que existem no planeta: são essenciais ao equilíbrio dos ecossistemas e, em última análise, à sobrevivência do homem, mesmo quando as interdependências com este não são facilmente perceptíveis! No caso concreto dos lepidópteros, o facto mais significativo é serem insectos polinizadores essenciais para a multiplicação das plantas com flor e estarem integrados em infindáveis cadeias alimentares, de que depende um sem número de outros organismos. Por essa razão, são consideradas importantes indicadores da qualidade ambiental, pelo que quanto maior for o seu número e variedade num dado local, melhor será a qualidade do ambiente.
Numa óptica mais antropocêntrica, uma das interacções mais famosas entre o homem e as borboletas é certamente a que está relacionada com a produção milenar de seda. Essa fibra natural, usada na mais requintada indústria têxtil, resulta do aproveitamento dos casulos produzidos pelo bicho-da-seda, uma espécie de borboleta nocturna oriunda do Norte da China, que tem vindo a ser criada em cativeiro nos mais diversos recantos do mundo.
Além disso, a captura, criação e venda de espécies exóticas para fins decorativos e de coleccionismo parece ser também um negócio rentável. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o comércio mundial de borboletas representa, na actualidade, várias dezenas de milhões de euros. Este inclui a transacção de espécimes mortos (dissecados e preparados para coleccionadores), mas também de vivos, destinados às chamadas butterfly houses, onde as belíssimas espécies exóticas são exibidas com todo o seu esplendor natural.
Mas é claro que a relação com as borboletas nem sempre é benéfica para o homem. Há algumas espécies de lepidópteros que podem tornar-se pragas, causando estragos e prejuízos em explorações agrícolas e florestais. Entre as mais conhecidas nos nossos quintais, podemos referir a borboleta-da-couve (Pieris brassicae) e a borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae), cujas lagartas se alimentam de nabos, couves e outros legumes, e ainda a borboleta-da-sardinheira (Cacyreus marshalii), que ataca gerânios e sardinheiras.
Existem larvas de lepidópteros que atacam as macieiras, nomeadamente as suas raízes (Synanthedon myopaeformis), os seus caules (Zeuzera pyrina) e os seus frutos, como as lagartas da traça-da-macieira (Cydia pomonella), que também é uma presença habitual no interior das pêras. Outras espécies escolhem as videiras (Deilephila elpenor) e o milho (Sesamia nonagrioides).
Os pinheiros servem de alimento a várias espécies. A processionária (Thaumetopoea pityocampa), assim designada pelo facto de as lagartas se juntarem em “procissão” formando longas filas, é sem dúvida uma das mais importantes, não apenas por se alimentar das suas agulhas, mas principalmente por ser considerada um problema de saúde pública, nomeadamente em zonas urbanas. Isto acontece porque as lagartas estão recobertas por pêlos urticantes que causam alergias na pele, nos olhos e no sistema respiratório. Em zonas “infectadas”, mesmo não havendo qualquer contacto das lagartas com o corpo, os pêlos podem ser arrastados pelo vento, acabando por ser inalados ou cravar-se na pele. Provocam, usualmente, comichões e edemas, que têm tendência para piorar e espalhar-se com o simples acto de coçar. Embora seja uma situação muito incomodativa, na maioria das pessoas passa ao fim de 24 horas, sobretudo se as zonas afectadas forem refrescadas e lavadas com água corrente e tratadas com pomada anti-histamínica. Em casos mais graves, nomeadamente em crianças e pessoas alérgicas, deve procurar-se imediatamente acompanhamento médico. Como medidas preventivas, desaconselha-se o acesso a zonas onde existam árvores atacadas, que se reconhecem pela existência de grandes ninhos sedosos pendurados nos ramos.

Estudar as borboletas
Durante muitos anos, o Catálogo Sistemático dos Macrolepidópteros de Portugal, da autoria de Maria Amélia da Silva Cruz e Timóteo Gonçalves, publicado em 1977, foi uma obra de referência para todos aqueles que se interessaram pelas borboletas portuguesas, uma vez que fazia a inventariação e a revisão de todos os trabalhos conhecidos à época.
O estudo das borboletas em Portugal, no entanto, começou muito antes. Os primeiros trabalhos datam dos finais do século XVIII.
Desde esse período, foram vários os naturalistas que se deixaram enamorar pela beleza e curiosidades das “bailarinas” portuguesas. Porém, nenhum parece ter suplantado a paixão demonstrada pelo padre Teodoro Monteiro, considerado por Ernestino Maravalhas como sendo o maior lepidopterologista português. A ele se fica a dever a descoberta de espécies novas, a publicação de inúmeros artigos sobre a temática e a organização da maior colecção de lepidópteros do país.
Mais recentemente, surgiram novos investigadores que têm vindo a fazer a monitorização dos lepidópteros portugueses, aprofundando os conhecimentos sobre a sua biologia, ecologia, distribuição geográfica e conservação. Como muitos dos estudos vão sendo publicados em revistas científicas ou em publicações da especialidade, ficam fora do alcance do público em geral. Portanto, os leitores interessados em iniciar-se no estudo destes maravilhosos insectos poderão saciar a sua curiosidade nas cerca de quinhentas páginas do livro As Borboletas de Portugal, editado em 2003, por Ernestino Maravalhas, com o inestimável contributo de inúmeros especialistas nacionais e estrangeiros.
É preciso cuidado: com um guia de campo nas mãos, ilustrado com as magníficas cores destes insectos, o leitor corre o risco de se converter num observador de borboletas. Diz quem viveu a experiência que é um passatempo deslumbrante para o qual não é necessário material específico, podendo fazer-se nos quintais e jardins urbanos de qualquer cidade ou vila portuguesa, no meio rural ou florestal, nas zonas húmidas, montanhosas ou litorais. Onde houver plantas floridas, não será difícil descobrir lepidópteros, especialmente nos dias mais soalheiros.

SUPER 159 - Julho 2011

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