segunda-feira, 11 de junho de 2012

A energia das algas


 Uma alternativa biológica aos combustíveis fósseis
As microalgas são especialmente eficientes a fazer a fotossíntese, isto é, a transformar a luz solar em biomassa e produtos adequados para várias aplicações. Uma equipa do LNEG está a tentar pô-las a produzir combustíveis para a aviação.
Ter microalgas a produzir biocombustíveis prontos a ser usados na aviação comercial é o objectivo de um projecto liderado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e pela Associação Portuguesa de Transporte e Trabalho Aéreo (APTTA). Porém, a utilização de lixo de vários tipos para obter o mesmo efeito não está posta de parte. Tudo em nome do ambiente e da diminuição das emissões de gases com efeito de estufa, bem como, claro está, da poupança em consumos energéticos tão elevados como estes.
Um biocombustível é qualquer combustível produzido biologicamente, como a palavra indica. Esta produção pode ser desenvolvida de várias formas: por via agrícola, pelo aproveitamento da biomassa agro-industrial e seus resíduos ou pela produção biotecnológica de microorganismos.
Nesta circunstância, o que está em causa, essencialmente, são as microalgas, que se apresentam como uma alternativa à produção de biocombustíveis por serem “os organismos fotossintéticos (os produtores primários de biomassa através de fotossíntese, ou seja, a partir de luz, água e nutrientes inorgânicos) de maior produtividade por área de terreno ocupado na sua cultura”, explica o professor Alberto Reis, do LNEG. A equipa de investigação engloba duas unidades, a de Bioenergia (UB) e a de Emissões Zero (UEZ).
“A produção de combustíveis através desta fonte renovável garante produtividades de energia por área de terreno ocupado entre dez e cem vezes superiores à das melhores culturas agrícolas de plantas superiores para biocombustíveis, como a palma, por exemplo”, adianta o cientista, acentuando que há outras vantagens, como a não-sazonalidade e a possibilidade de colheita diária de biomassa ao longo de todo o ano e de utilizar águas sem qualidade para a agricultura convencional (água salgada ou salobra e esgotos líquidos de vários tipos). Além disso, esta cultura é pouco exigente em relação aos terrenos utilizados, podendo ser levada a cabo em solos rochosos, salinas e pântanos, assim como em terrenos irregulares e inclinados.
Alberto Reis considera também vantajosa “a possibilidade real de utilizar efluentes gasosos ricos em gases de efeito de estufa (dióxido de carbono, em particular) provenientes de várias indústrias (centrais térmicas, por exemplo) como fonte de carbono, possibilitando um método biológico de despoluição”.
De facto, as microalgas não competem com os terrenos agrícolas pelos alimentos e estão fora das recentes polémicas e dos debates relativos aos novos usos de terrenos agrícolas para energia, “pelo que são claramente produtoras de combustíveis de segunda geração”.
Porém, nem tudo são vantagens, e o investigador reconhece que o mais difícil reside “nas baixas concentrações de biomassa em condições de cultivo, contribuindo para elevados custos de concentração e colheita de biomassa microalgal”, o que leva a que a produção comercial de biocombustíveis a partir das microalgas não seja, por enquanto, uma realidade: actualmente “faz-se apenas para casos muito particulares, no campo dos suplementos dietéticos e farmacêuticos, bem como para a aquacultura”.
O problema das alturas          
O Comércio Europeu de Licenças de Emissão vai incluir, a partir de 2012, a indústria do transporte aéreo, tendo a Comissão Europeia definido ainda como objectivo uma redução efectiva de três por cento nas emissões de dióxido de carbono produzidas pela aviação comercial no espaço europeu.
A situação obriga, pois, esta indústria a encontrar formas de combater as despesas, enquanto tenta travar a emissão de gases com efeito de estufa, o que pode ser conseguido através deste e de outros biocombustíveis.
O transporte aéreo é responsável por 2% das emissões antropogénicas de dióxido de carbono à escala mundial, com tendência para aumentar nos próximos anos. A Boeing afirmou, recentemente, que os biocombustíveis poderão reduzir as emissões de gases de efeito de estufa em voos em 60 a 80%.
Alberto Reis explica qual a vantagem dos biocombustíveis em termos de protecção ambiental: “Os combustíveis fósseis produzem gases de efeito de estufa (em geral, dióxido de carbono) quando são queimados em motores. O consumo de dióxido de carbono através de processos fotossintéticos ocorreu há milhares de anos, antes de enormes quantidades de biomassa (seja de origem microbiana, como as microalgas, seja de origem florestal) terem sido soterradas por processos de natureza geo­lógica. Diz-se que se trata de combustíveis de balanço positivo entre o carbono produzido e consumido, com consequências nefastas para o meio ambiente. Os biocombustíveis são geralmente produzidos a partir de biomassa agroflorestal, e, em consequência, de balanço relativamente neutro entre o carbono consumido na fotossíntese e incorporado como biomassa e aquele que é libertado durante a sua utilização em motores.” É por isso que a sua produção e consumo não deverão contribuir para o aumento de gases de efeito de estufa.
A investigação em curso no LNEG também envolve os cientistas Luísa Gouveia, Cristina Oliveira e César Fonseca, da UB, e Filomena Pinto, Paula Costa e Ibrahim Gulyurtlu, da UEZ. Uma vez que não se trata ainda de “uma tecnologia suficientemente madura”, os trabalhos “têm de ser conduzidos a médio prazo (três a cinco anos), até ser garantida a ampliação de escala e a sustentabilidade do processo a custos competitivos”, esclarece Alberto Reis.
Cedo para pensar em preços
Por isso, ainda é prematuro falar de custos de produção e venda desta nova geração de biocombustíveis, embora o grupo de investigação esteja a conduzir os trabalhos de forma a diminuir os custos, a fim de os tornar economicamente competitivos no menor prazo possível. Se for provada a viabilidade técnico-económica da proposta, e dado que não estará em causa a elevada produtividade das culturas de microalgas, haverá, então, a possibilidade de exportação deste biocombustível, “desde que haja empresas interessadas em explorar este enorme potencial biotecnológico”.
Com efeito, os biocombustíveis mais conhecidos são o biodiesel, um substituto do gasóleo, que se obtém geralmente pela transformação química de óleos vegetais (por exemplo, de palma, girassol ou colza), gorduras animais ou restos de óleo de fritura recolhidos em oleões, e o bioetanol, que se obtém por fermentação de açúcares (sacarose, amido e outros) extraídos a partir de produtos agrícolas como a cana-de-açúcar, a beterraba, o milho e o sorgo, entre outros. O bioetanol não difere do etanol obtido por via química e é um substituto da gasolina.
Quanto aos combustíveis para aviação comercial, exigem propriedades físico-químicas diferentes das dos que são usados em terra (desde o ponto de congelação à temperatura de auto-ignição, à densidade e à viscosidade, entre outras), devido, em especial, às pressões e temperaturas a que vão estar sujeitos, e às maiores necessidades de segurança.
“Os combustíveis para aviação comercial mais utilizados são constituídos por uma mistura de hidrocarbonetos de cadeia relativamente curta (entre oito e dezasseis ou entre cinco e quinze átomos de carbono, consoante o tipo). Esta estrutura contrasta com a da gasolina, caracterizada por apresentar misturas de hidrocarbonetos entre quatro e doze átomos de carbono, e a do gasóleo, em que os hidrocarbonetos apresentam geralmente entre dez e vinte átomos de carbono”, explica Alberto Reis.
Dentro em breve, se tudo correr como esperam os investigadores, muito desse combustível poderá estar a ser produzido a partir das microalgas e dos desperdícios da sociedade de consumo.
M.M.
SUPER 160 - Agosto 2011

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