As microalgas são especialmente eficientes
a fazer a fotossíntese, isto é, a transformar a luz solar em biomassa e
produtos adequados para várias aplicações. Uma equipa do LNEG está a tentar
pô-las a produzir combustíveis para a aviação.
Ter microalgas a produzir biocombustíveis
prontos a ser usados na aviação comercial é o objectivo de um projecto liderado
pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e pela Associação
Portuguesa de Transporte e Trabalho Aéreo (APTTA). Porém, a utilização de lixo
de vários tipos para obter o mesmo efeito não está posta de parte. Tudo em nome
do ambiente e da diminuição das emissões de gases com efeito de estufa, bem
como, claro está, da poupança em consumos energéticos tão elevados como estes.
Um
biocombustível é qualquer combustível produzido biologicamente, como a palavra
indica. Esta produção pode ser desenvolvida de várias formas: por via agrícola,
pelo aproveitamento da biomassa agro-industrial e seus resíduos ou pela
produção biotecnológica de microorganismos.
Nesta
circunstância, o que está em causa, essencialmente, são as microalgas, que se
apresentam como uma alternativa à produção de biocombustíveis por serem “os
organismos fotossintéticos (os produtores primários de biomassa através de
fotossíntese, ou seja, a partir de luz, água e nutrientes inorgânicos) de maior
produtividade por área de terreno ocupado na sua cultura”, explica o professor
Alberto Reis, do LNEG. A equipa de investigação engloba duas unidades, a de
Bioenergia (UB) e a de Emissões Zero (UEZ).
“A
produção de combustíveis através desta fonte renovável garante produtividades
de energia por área de terreno ocupado entre dez e cem vezes superiores à das
melhores culturas agrícolas de plantas superiores para biocombustíveis, como a
palma, por exemplo”, adianta o cientista, acentuando que há outras vantagens,
como a não-sazonalidade e a possibilidade de colheita diária de biomassa ao
longo de todo o ano e de utilizar águas sem qualidade para a agricultura
convencional (água salgada ou salobra e esgotos líquidos de vários tipos). Além
disso, esta cultura é pouco exigente em relação aos terrenos utilizados,
podendo ser levada a cabo em solos rochosos, salinas e pântanos, assim como em
terrenos irregulares e inclinados.
Alberto
Reis considera também vantajosa “a possibilidade real de utilizar efluentes
gasosos ricos em gases de efeito de estufa (dióxido de carbono, em particular)
provenientes de várias indústrias (centrais térmicas, por exemplo) como fonte
de carbono, possibilitando um método biológico de despoluição”.
De
facto, as microalgas não competem com os terrenos agrícolas pelos alimentos e
estão fora das recentes polémicas e dos debates relativos aos novos usos de
terrenos agrícolas para energia, “pelo que são claramente produtoras de
combustíveis de segunda geração”.
Porém, nem
tudo são vantagens, e o investigador reconhece que o mais difícil reside “nas
baixas concentrações de biomassa em condições de cultivo, contribuindo para
elevados custos de concentração e colheita de biomassa microalgal”, o que leva
a que a produção comercial de biocombustíveis a partir das microalgas não seja,
por enquanto, uma realidade: actualmente “faz-se apenas para casos muito
particulares, no campo dos suplementos dietéticos e farmacêuticos, bem como
para a aquacultura”.
O problema das
alturas
O
Comércio Europeu de Licenças de Emissão vai incluir, a partir de 2012, a
indústria do transporte aéreo, tendo a Comissão Europeia definido ainda como
objectivo uma redução efectiva de três por cento nas emissões de dióxido de
carbono produzidas pela aviação comercial no espaço europeu.
A
situação obriga, pois, esta indústria a encontrar formas de combater as
despesas, enquanto tenta travar a emissão de gases com efeito de estufa, o que
pode ser conseguido através deste e de outros biocombustíveis.
O
transporte aéreo é responsável por 2% das emissões antropogénicas de dióxido de
carbono à escala mundial, com tendência para aumentar nos próximos anos. A
Boeing afirmou, recentemente, que os biocombustíveis poderão reduzir as
emissões de gases de efeito de estufa em voos em 60 a 80%.
Alberto
Reis explica qual a vantagem dos biocombustíveis em termos de protecção
ambiental: “Os combustíveis fósseis produzem gases de efeito de estufa (em
geral, dióxido de carbono) quando são queimados em motores. O consumo de dióxido
de carbono através de processos fotossintéticos ocorreu há milhares de anos,
antes de enormes quantidades de biomassa (seja de origem microbiana, como as
microalgas, seja de origem florestal) terem sido soterradas por processos de
natureza geológica. Diz-se que se trata de combustíveis de balanço positivo
entre o carbono produzido e consumido, com consequências nefastas para o meio
ambiente. Os biocombustíveis são geralmente produzidos a partir de biomassa
agroflorestal, e, em consequência, de balanço relativamente neutro entre o
carbono consumido na fotossíntese e incorporado como biomassa e aquele que é
libertado durante a sua utilização em motores.” É por isso que a sua produção e
consumo não deverão contribuir para o aumento de gases de efeito de estufa.
A
investigação em curso no LNEG também envolve os cientistas Luísa Gouveia,
Cristina Oliveira e César Fonseca, da UB, e Filomena Pinto, Paula Costa e
Ibrahim Gulyurtlu, da UEZ. Uma vez que não se trata ainda de “uma tecnologia
suficientemente madura”, os trabalhos “têm de ser conduzidos a médio prazo
(três a cinco anos), até ser garantida a ampliação de escala e a
sustentabilidade do processo a custos competitivos”, esclarece Alberto Reis.
Cedo para pensar em preços
Por
isso, ainda é prematuro falar de custos de produção e venda desta nova geração
de biocombustíveis, embora o grupo de investigação esteja a conduzir os
trabalhos de forma a diminuir os custos, a fim de os tornar economicamente
competitivos no menor prazo possível. Se for provada a viabilidade
técnico-económica da proposta, e dado que não estará em causa a elevada
produtividade das culturas de microalgas, haverá, então, a possibilidade de
exportação deste biocombustível, “desde que haja empresas interessadas em
explorar este enorme potencial biotecnológico”.
Com
efeito, os biocombustíveis mais conhecidos são o biodiesel, um substituto do
gasóleo, que se obtém geralmente pela transformação química de óleos vegetais
(por exemplo, de palma, girassol ou colza), gorduras animais ou restos de óleo
de fritura recolhidos em oleões, e o bioetanol, que se obtém por fermentação de
açúcares (sacarose, amido e outros) extraídos a partir de produtos agrícolas
como a cana-de-açúcar, a beterraba, o milho e o sorgo, entre outros. O
bioetanol não difere do etanol obtido por via química e é um substituto da
gasolina.
Quanto
aos combustíveis para aviação comercial, exigem propriedades físico-químicas
diferentes das dos que são usados em terra (desde o ponto de congelação à
temperatura de auto-ignição, à densidade e à viscosidade, entre outras),
devido, em especial, às pressões e temperaturas a que vão estar sujeitos, e às
maiores necessidades de segurança.
“Os
combustíveis para aviação comercial mais utilizados são constituídos por uma
mistura de hidrocarbonetos de cadeia relativamente curta (entre oito e
dezasseis ou entre cinco e quinze átomos de carbono, consoante o tipo). Esta
estrutura contrasta com a da gasolina, caracterizada por apresentar misturas de
hidrocarbonetos entre quatro e doze átomos de carbono, e a do gasóleo, em que
os hidrocarbonetos apresentam geralmente entre dez e vinte átomos de carbono”,
explica Alberto Reis.
Dentro
em breve, se tudo correr como esperam os investigadores, muito desse
combustível poderá estar a ser produzido a partir das microalgas e dos
desperdícios da sociedade de consumo.
M.M.
SUPER 160 - Agosto 2011
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