sábado, 18 de fevereiro de 2012

Biocombustíveis: “Existem muitos interesses em jogo”

Consultora da FAO criticada por defender retirada dos subsídios a esta indústria
2012-02-15
Por Susana Lage
O biocombustível pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa
Os biocombustíveis podem ser uma das soluções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos transportes. No entanto, tanto a sua produção como comercialização continuam envolvidas em debate.

Na semana passada, em Lisboa para participar no VIII Congresso do Milho, a consultora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Ann Berg, afirmou que a produção de biocombustíveis a partir de alimentos é “ridícula”.
“É um uso ridículo para os alimentos quando há pessoas a morrer de fome”, afirmou a especialista em mercado e ex-directora da Bolsa de Chicago em entrevista à Agência Lusa.

A representante da FAO disse que a utilização de alimentos para produzir combustíveis tem um impacto enorme sobre a disponibilidade e os preços, apontando casos como o dos Estados Unidos da América onde 40 por cento do milho cultivado é usado em biocombustíveis. 
“São cerca de 125 milhões de toneladas que dariam para alimentar 600 milhões de pessoas durante um ano”, exemplifica.

Ann Berg advoga a retirada de subsídios a esta indústria para que o mercado livre possa funcionar. Esta seria a forma mais eficaz de aliviar a pressão dos biocombustíveis sobre o preço de matérias-primas básicas já que não acredita noutros mecanismos de controlo, como o preço de desencadeamento.
Pedro Sampaio Nunes
Ao Ciência Hoje (CH), Pedro Sampaio Nunes, presidente daGreencyber, comenta que não é da mesma opinião. “Discordo totalmente da posição da consultora, é a produção de biocombustíveis que fará descer o preço dos produtos alimentares”, afirma.

Segundo o engenheiro,
 “existem muitos interesses em jogo nesta questão e a Nestlé e a Unilever investiram meios muito significativos numa campanha mundial de descredibilização dos biocombustíveis". No entanto, "o caminho para uma penetração cada vez mais importante dos biocombustíveis parece irreversível”, garante.

Sampaio Nunes afirma que alguns consultores prestaram-se a fazer
 “trabalhos pseudo-científicos na linha da argumentação da Nestlé”, que para o empresário são “verdadeiramente criminosos” por “tentar retirar esta oportunidade única dos países mais pobres do planeta de saírem do seu ciclo vicioso de pobreza e de fome”.

Ainda assim, de acordo com o presidente da Greencyber, o que está a acontecer é o contrário,
 “África deve o seu recente desenvolvimento sustentado, entre outros factores, ao explosivo desenvolvimento do seu potencial agro-industrial, nomeadamente na área dos biocombustíveis, que reduzem igualmente a sua elevada dependência energética, barreira ao desenvolvimento”.

Por outro lado,
 “a abundância de área cultivável disponível e a possibilidade de as aproveitar permite encarar com optimismo a possibilidade de se resolverem vários problemas de uma só vez” como o desenvolvimento rural e económico, fixação de populações nos meios rurais e a solução da falta de alimentos, sustenta.

Fernando Augusto dos Santos, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, também discorda com a ideia de que a produção de biocombustíveis a partir de alimentos é
 “ridícula”.
Fernando Augusto dos Santos
A afirmação “parece-me perfeitamente exagerada”, diz. “É obvio que se pode questionar a utilização de matérias-primas, nomeadamente cereais, para obtenção de combustíveis mas, como tudo na vida, é uma questão de bom senso, coisa que a Ann Berg não deve ter, pois terá outros interesses”, refere.

O professor do departamento de agronomia gostaria que fosse dado maior relevo às culturas não alimentares, como jatrofa, o que
“permitiria dar trabalho a muita gente”. E dá o exemplo do projecto da Galp, no norte de Moçambique. “Em relação aos custos é obvio que actualmente não são comparáveis, na maioria das situações, com excepção para a cana-de-açúcar no Brasil, mas a situação nos principais países produtores, nomeadamente o Irão (2º produtor) e mesmo a Arábia Saudita (1º produtor) não inspiram confiança”.

Também contactado pelo
 CH, António Comprido, secretário-geral da APETRO, manifesta a sua posição quanto à produção de biocombustíveis, apesar de não comentar a declaração de consultora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.

“Trata-se de uma alternativa importante aos combustíveis fósseis particularmente na área dos transportes e, como, tal deverá continuar a ser desenvolvida. É importante que este desenvolvimento possa contribuir para uma redução efectiva das emissões de gases com efeito de estufa, numa óptica de ciclo de vida, e que respeite os critérios de sustentabilidade assegurando que não prejudicam a produção de bens alimentares, não utilizam indevidamente os solos e não prejudicam a biodiversidade”, explica.
Fonte: Ciência hoje

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