Assassino encurralado
Os casulos |
Um coleóptero anda a
dizimar as palmeiras do Sul da Europa, incluindo milhares de exemplares
portugueses, principalmente nas regiões de Lisboa e do Algarve. Biólogos
espanhóis afirmam ter descoberto um fungo que devora o famigerado inseto.
Desde 1995, as
palmeiras estão a sofrer o ataque do chamado “escaravelho vermelho”, que tem
provocado a morte de muitos milhares de exemplares. Com efeito, quando o pequeno cleóptero, cujo nome
científico é Rhynchophorus ferrugineus,
as coloniza, a esperança de vida das palmeiras não ultrapassa os seis meses. Em
Portugal, os estragos começaram no Algarve, onde centenas de plantas foram
dizimadas, e o rasto de destruição prosseguiu em direcão a norte (em Lisboa já
atacou, por exemplo, o Jardim Tropical de Belém e o Jardim Botânico). Em
Espanha, a grande preocupação centra-se em Elche, cujo esplêndido palmeiral foi
plantado pelos muçulmanos há mais de mil anos. Teme-se, agora, que o inseto
consiga destruir esse símbolo da cidade da Comunidade Valenciana: 500 hectares
de palmeiras declaradas Património Mundial da Humanidade.
Contudo, a erradicação
poderá estar eminente: talvez se produza em apenas dois anos. Com efeito,
especialistas da Glen Biotech (http://www.glenbiotech.es), uma companhia surgida na
universidade espanhola de Alicante, pensam ter encontrado uma solução
definitiva. “Apercebemo-nos de que um fungo, o Beauveria bassiana, matava o escaravelho das palmeiras de forma
natural”, explica Berenice Güerri, que dedicou a sua tese de doutoramento ao
destrutivo coleóptero e descobriu, agora, o antídoto.
“Durante um ano,
cutivámos o Beauveria bassiana em
laboratório, procedendo a múltiplos ensaios ‘isolados’”, explica a
especialista. Os “isolados” são espécimes que apresentam determinadas
características. “Foi como selecionar pessoas para um posto de trabalho: havia
muitos candidatos e tivemos de passá-los pelo crivo.” Finalmente, concluiram
que o “isolado 203” era o que funcionava melhor sem necessidade de água.
“Conseguimos repetir um processo natural, mas em grande escala”, resume a
investigadora.
Com esta técnica,
deixa de ser necessário fumigar a palmeira (com a consequente poupança de
líquido), pois o produto é aplicado através de um substrato vegetal seco, sem
toxinas e sem impacto no meio ambiente. Os testes efetuados em fevereiro, abril
e maio (meses com diferentes valores de temperatura) não deixaram margem para
dúvidas: o fungo aniquilou todas as larvas em quatro dias e os adultos em pouco
mais de duas semanas.
500 Bocas
para alimentar
Como consegue o fungo
acabar com um bicho protegido por uma dura couraça? A resposta é simples:
transformando-se num alien dentro do
corpo do inseto. Protegido por uma armadura estriada, o escaravelho vermelho
das palmeiras caracteriza-se pelo bico que se projeta do corpo. Aproveita
qualquer orificío para se introduzir na palmeira, onde escava galerias com o
pontiagudo apêndice, e a fêmea pode por mais de 500 ovos de uma só vez. Depois
as larvas alimentam-se vorazmente do tecido vagetal. Deter a infestação é muito
complicado: “ A fêmea toena-se fértil uma semana após ter saído do casulo. Para
agravar as coisas, um escaravelho consegue voar cinco a dez quilómetros”,
explicou Carlos Gabirro, sócio-gerente da empresa portuguesa Biostasia, ao
jornal Público. Com um período de
atividade na palmeira que pode ir de três meses a quase um ano, os seus esporos
instalam-se na carapaça do invasor e começam a penetrar no organismo do
escaravelho como sementes em busca de alimento. Ao fim de pouco tempo, já
perfurou o corpo do gorgulho para germinar e alimentar-se dos seus nutrientes.
Dito de forma mais gráfica: come-o por dentro até o deixar seco. O mesmo
destino espera as larvas. Além disso, o próprio escaravelho vermelho dissemina
o fungo, ao transferir-se de uma palmeira para outra.
O mais difícil é
conseguir detetar a presença dos colonizadores. Por isso, têm sido organizadas
desde jornadas técnicas e encontros internacionais a iniciativas de
sensibilização dos proprietários de árvores ou dos responsáveis pela gestão de
palmeiras no meio urbano, os quais também se debatem com falta de recursos para
combater uma praga que tem avançado a uma velocidade assustadora. Primeiro, as
folhas da coroa da palmeira perdem vigor; depois, nota-se um odor a tecidos em
fermentação e, quando se encosta o ouvido ao tronco, escutam-se os ruídos
produzidos pelas larvas a alimentar-se.
Quem estiver
desprevenido apenas se aperceberá quando for demasiado tarde, pouco antes da
palmeira morrer ou mesmo tombar no chão. Já existem experiências com cães
treinados para distinguir o cheiro, um sistema testado em Israel e na
Andaluzia. Por sua vez a universidade de Elche está a desenvolver um programa
informático para detetar através de sondas o ruído produzido pelos
escaravelhos. O incoveniente é que a palmeira produz múltiplos sons. Além
disso, a sua composição impede que as ondas se propaguem sem entraves.
O remédio da Glen
Biotech (agora em fase de ser registado
e obter a patente) poderia ser a solução definitiva para um problema que afeta
muitos países. Original do Sueste asiático, onde ataca os coqueiros, o Rhynchophorus ferrugineus estendeu-se
pelo Médio Oriente, o Magrebe, o Sul da Europa e os Estados Unidos.
Em Portugal, a praga
foi detetada pela primeira vez em 2007, ano em que a União Europeia estabeleceu
medidas de emergência para a combater, já que vários países mediterrânicos se
debatiam há vários anos com o escaravelho. Em Espanha, por exemplo, chegou há
17 anos através da Andaluzia, proveniente do Egito. A região do Algarve foi das
mais afetadas, mas, atualmente, segundo Carlos Gabirro, Lisboa está “completamente
contaminada” e a praga já foi identificada em Sines, Santiago do Cacém, Grândola,
Alcácer do Sal, Setúbal, Cascais, Montijo, Coruche, Coimbra, Espinho e Gaia.
Razão suficiente para esperar que os dias do escaravelho vermelho estejam mesmo
contados, como promete a companhia espanhola.
Super interessante nº172 – Agosto de 2012
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