domingo, 13 de outubro de 2013

Um fungo contra o escaravelho vermelho

Assassino encurralado
Os casulos
Um coleóptero anda a dizimar as palmeiras do Sul da Europa, incluindo milhares de exemplares portugueses, principalmente nas regiões de Lisboa e do Algarve. Biólogos espanhóis afirmam ter descoberto um fungo que devora o famigerado inseto.
Desde 1995, as palmeiras estão a sofrer o ataque do chamado “escaravelho vermelho”, que tem provocado a morte de muitos milhares de exemplares. Com efeito, quando o pequeno cleóptero, cujo nome científico é Rhynchophorus ferrugineus, as coloniza, a esperança de vida das palmeiras não ultrapassa os seis meses. Em Portugal, os estragos começaram no Algarve, onde centenas de plantas foram dizimadas, e o rasto de destruição prosseguiu em direcão a norte (em Lisboa já atacou, por exemplo, o Jardim Tropical de Belém e o Jardim Botânico). Em Espanha, a grande preocupação centra-se em Elche, cujo esplêndido palmeiral foi plantado pelos muçulmanos há mais de mil anos. Teme-se, agora, que o inseto consiga destruir esse símbolo da cidade da Comunidade Valenciana: 500 hectares de palmeiras declaradas Património Mundial da Humanidade.
Contudo, a erradicação poderá estar eminente: talvez se produza em apenas dois anos. Com efeito, especialistas da Glen Biotech (http://www.glenbiotech.es), uma companhia surgida na universidade espanhola de Alicante, pensam ter encontrado uma solução definitiva. “Apercebemo-nos de que um fungo, o Beauveria bassiana, matava o escaravelho das palmeiras de forma natural”, explica Berenice Güerri, que dedicou a sua tese de doutoramento ao destrutivo coleóptero e descobriu, agora, o antídoto.
“Durante um ano, cutivámos o Beauveria bassiana em laboratório, procedendo a múltiplos ensaios ‘isolados’”, explica a especialista. Os “isolados” são espécimes que apresentam determinadas características. “Foi como selecionar pessoas para um posto de trabalho: havia muitos candidatos e tivemos de passá-los pelo crivo.” Finalmente, concluiram que o “isolado 203” era o que funcionava melhor sem necessidade de água. “Conseguimos repetir um processo natural, mas em grande escala”, resume a investigadora.  
Com esta técnica, deixa de ser necessário fumigar a palmeira (com a consequente poupança de líquido), pois o produto é aplicado através de um substrato vegetal seco, sem toxinas e sem impacto no meio ambiente. Os testes efetuados em fevereiro, abril e maio (meses com diferentes valores de temperatura) não deixaram margem para dúvidas: o fungo aniquilou todas as larvas em quatro dias e os adultos em pouco mais de duas semanas.
500 Bocas para alimentar
Como consegue o fungo acabar com um bicho protegido por uma dura couraça? A resposta é simples: transformando-se num alien dentro do corpo do inseto. Protegido por uma armadura estriada, o escaravelho vermelho das palmeiras caracteriza-se pelo bico que se projeta do corpo. Aproveita qualquer orificío para se introduzir na palmeira, onde escava galerias com o pontiagudo apêndice, e a fêmea pode por mais de 500 ovos de uma só vez. Depois as larvas alimentam-se vorazmente do tecido vagetal. Deter a infestação é muito complicado: “ A fêmea toena-se fértil uma semana após ter saído do casulo. Para agravar as coisas, um escaravelho consegue voar cinco a dez quilómetros”, explicou Carlos Gabirro, sócio-gerente da empresa portuguesa Biostasia, ao jornal Público. Com um período de atividade na palmeira que pode ir de três meses a quase um ano, os seus esporos instalam-se na carapaça do invasor e começam a penetrar no organismo do escaravelho como sementes em busca de alimento. Ao fim de pouco tempo, já perfurou o corpo do gorgulho para germinar e alimentar-se dos seus nutrientes. Dito de forma mais gráfica: come-o por dentro até o deixar seco. O mesmo destino espera as larvas. Além disso, o próprio escaravelho vermelho dissemina o fungo, ao transferir-se de uma palmeira para outra.
O mais difícil é conseguir detetar a presença dos colonizadores. Por isso, têm sido organizadas desde jornadas técnicas e encontros internacionais a iniciativas de sensibilização dos proprietários de árvores ou dos responsáveis pela gestão de palmeiras no meio urbano, os quais também se debatem com falta de recursos para combater uma praga que tem avançado a uma velocidade assustadora. Primeiro, as folhas da coroa da palmeira perdem vigor; depois, nota-se um odor a tecidos em fermentação e, quando se encosta o ouvido ao tronco, escutam-se os ruídos produzidos pelas larvas a alimentar-se.
Quem estiver desprevenido apenas se aperceberá quando for demasiado tarde, pouco antes da palmeira morrer ou mesmo tombar no chão. Já existem experiências com cães treinados para distinguir o cheiro, um sistema testado em Israel e na Andaluzia. Por sua vez a universidade de Elche está a desenvolver um programa informático para detetar através de sondas o ruído produzido pelos escaravelhos. O incoveniente é que a palmeira produz múltiplos sons. Além disso, a sua composição impede que as ondas se propaguem sem entraves.
O remédio da Glen Biotech (agora em fase de ser  registado e obter a patente) poderia ser a solução definitiva para um problema que afeta muitos países. Original do Sueste asiático, onde ataca os coqueiros, o Rhynchophorus ferrugineus estendeu-se pelo Médio Oriente, o Magrebe, o Sul da Europa e os Estados Unidos.
Em Portugal, a praga foi detetada pela primeira vez em 2007, ano em que a União Europeia estabeleceu medidas de emergência para a combater, já que vários países mediterrânicos se debatiam há vários anos com o escaravelho. Em Espanha, por exemplo, chegou há 17 anos através da Andaluzia, proveniente do Egito. A região do Algarve foi das mais afetadas, mas, atualmente, segundo Carlos Gabirro, Lisboa está “completamente contaminada” e a praga já foi identificada em Sines, Santiago do Cacém, Grândola, Alcácer do Sal, Setúbal, Cascais, Montijo, Coruche, Coimbra, Espinho e Gaia. Razão suficiente para esperar que os dias do escaravelho vermelho estejam mesmo contados, como promete a companhia espanhola.

Super interessante nº172 – Agosto de 2012

Sem comentários:

Enviar um comentário